Pra que lado fica Carro Quebrado?

Por Eduardo Vessoni, do site Viagem em Pauta

Dia desses, fui bater lá em Carro Quebrado, uma praia deserta do litoral norte de Alagoas que ainda recebe pouco mais de meia dúzia de visitantes, por conta do acesso complexo.

Eduardo Vessoni

Vista da praia de Carro Quebrado, em AlagoasVista da praia de Carro Quebrado, em Alagoas

Vista da praia de Carro Quebrado, no norte de Alagoas

Para quem vem da capital Maceió, o deslocamento é uma viagem sem surpresas, dessas que a gente vai seguindo até Paripueira, pega um barco e desembarca com hora marcada para o retorno. Mas quem vem do norte do Estado e é apegado a perrengues, protagoniza um sem fim de paradas em estradas vicinais para pedir informações, cruza vias empoeiradas sem placas e chega a paragens sem sinal de vida (muito menos de celular).

Mais do que falésias que se lançam sobre o mar, o entretenimento mais divertido por ali é parar para pedir orientações sobre locais que nem o GPS consegue precisar.

A cada bom dia educado, acompanhado da pergunta “Pra que lado fica Carro Quebrado?”, eu e o motorista que me acompanhava  já esperávamos uma resposta tão curiosa quanto imprecisa.

Eduardo Vessoni

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Carro Quebrado recebe pouco mais de meia dúzia de visitantes por conta do acesso complexo

− “Vai por aqui. Passa uma ponte, duas pontes, três pontes. É logo ali”, (des)informou o primeiro transeunte.

− “Ixi, você não vai acertar, vai?”, respondeu uma mulher, diante do olhar indignado do motorista. “Quem tem boca chega onde quer, abençoada”, sussurrou o condutor do carro, enquanto engatava a primeira marcha.

E passamos uma ponte, duas pontes e mais do que três. Nada de praia e já me convencia de que a desbocada abençoada tinha razão.

− “Tem que ir até a fazenda e passar a ponte de pau”, respondeu uma menina na beira da estrada , com uma risada tímida que lhe obrigou a levar a mão à boca, antes de responder.

− “Pode ir direto. Não entra em canto nenhum. São 25 minutos daqui”, informou, mais adiante, o boia fria que largou a terra que arava para correr entre o mato queimado, até alcançar o carro que parara longe para pedir, de novo, informação.

E lá se iam outros 30 minutos, sobre estrada de chão batido.

Quanto mais avançávamos mato adentro, os 25 minutos pareciam ter mais do que 25 minutos. Logo a estrada vira pedras para se transformar, outra vez, em chão de terra batida.

E não tem uma só sinalização para avisar se a gente segue no caminho correto. Nem placa, nem gente e muito menos praia de Carro Quebrado.

Eduardo Vessoni

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O entretenimento mais divertido por ali é parar para pedir orientações sobre locais que nem o GPS consegue precisar

O motorista, após uma respiração de alívio, mostrou, orgulhoso, o risco de mar esverdeado que pintava o cenário árido, diante dos nossos olhos.

−“Aqui é Carro Quebrado?”, perguntou só para ter certeza.

E o menino que arrodeava a rotatória do centro da cidade, devolveu um sonoro “é não, senhor”, apontando o caminho para a estrada de terra de onde acabávamos de sair.

O silêncio do motorista foi sonoro quando o moleque informou que estávamos na Praia da Ilha da Croa. Ele ainda insistiu, “mas aqui não é mesmo Carro Quebrado?”.

Não, não era.

E enquanto nos perdíamos nesse povoado do município de Barra de Santo Antonio, uma sequência de nomes comerciais passavam do lado de fora: “Variedade de Deus”, “Fique na moda por R$5” (sim, esse era o nome do estabelecimento), “Padaria do Elenir”, “Avícola Bom Jesus” e “Mercadinho Mão Aberta”.

Sugeri confirmar com mais uma fonte, como aprendera na época da faculdade de Jornalismo.

− “Passa uma estrada de terra, outra de calçamento, outra de terra, mais uma de calçamento. Faz isso três vezes”, respondeu mais um informante, com a mesma precisão de um GPS desligado.

As (des)informações nos levaram, no máximo, até o próximo informante.

− “Direto, lá pra cima”, respondeu mais um, enquanto o companheiro ao lado metia o dedo na serra elétrica e nos permitia ouvir apenas a metade da informação. A outra metade era o roncar nervoso da máquina que cortava um punhado de árvores jogadas, displicentemente, na beira da estrada.

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− “Tem até uma placa nova agora”, tentou nos animar mais um.

Sabe-se lá por qual milagre ou direção do vento conseguimos chegar na praia de Carro Quebrado.

Mas não era ali. Na verdade, era quase ali.

Estávamos no nível do mar e o combinado era encontrar o mirante que dava vistas para as falésias e a praia lá embaixo, um roteiro alternativo que poucos visitantes (e motoristas) costumam fazer. E era isso que me animara a seguir até lá por estradas rurais.

Na praia deserta, um vendedor “não-sei-do-que-nem-para-quem” trabalhava ao lado de um carro…. quebrado. Isso já era um bom sinal.

− “Depois da ladeira, tem umas curvas. Logo tem uma estrada que tá fechada, então você entra nela”.

Quando ouvi isso, desisti de acompanhar as instruções, deixando o motorista à vontade para seguir na interrpretação da informação.

E a cada curva que se fazia à esquerda, a faixa azulada de mar ia se afastando para a direita, levando junto a minha esperança de ver Carro Quebrado. Cruzamos plantações, balançamos sobre chão rústico, vimos o mar se aproximar e se afastar, mais algumas vezes, até que o mar se mostrou sob nossos pés.

Essa, sim, era Carro Quebrado. Inconfundível com suas falésias alaranjadas sobre o mar; maré que sobe e desce, tratando de revelar e ocultar trechos de areia; e cabanas rústicas de palha com carcaças de carros quebrados (tudo cenográfico, apurei depois).

E que fique bem claro que só cheguei a Carro Quebrado, que naquele momento já nem era tão importante quanto à tarefa de decifrar instruções, por conta da insistência de Marcílio, o motorista alagoano que faz mergulhos, adora dirigir 4×4 e já morou em São Paulo, mas teve que voltar, quatro dias depois, porque não deu conta do frio.

Aquele motorista dedicado ainda prefere se aventurar em busca de Carro Quebrado, nem que para isso tenha que se perder em terras pouco conhecidas (pelo menos, por ali, não faz frio de cidade grande).

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