Chapada Diamantina atrai turismo comunitário

Roberta Mello, de Lençóis (BA)

INSTITUTO GRÃOS DE LUZ E GRIÔ/DIVULGAÇÃO/JC

Situada no coração da Bahia, a Chapada Diamantina atrai todos os anos milhares de turistas interessados em explorar as belezas naturais do seu parque nacional – área de preservação ambiental com 125 mil hectares – e da região. O cenário que mistura montanhas e cachoeiras à energia e religiosidade baiana ganha posição entre os destinos preferidos de quem quer fazer trilhas ecológicas. Mas um novo estilo de visita, ecologicamente sustentável e liderada pela comunidade, desponta como a mais querida por quem quer mergulhar no estilo de vida local. É o Turismo Comunitário, modalidade ainda pouco conhecida no Brasil, mas que vem conquistando viajantes e ganhando destinos.

A cidade de Lençóis é a principal porta de entrada da região localizada no centro do estado da Bahia. Fica a 409 quilômetros de Salvador e conta com aeroporto e infraestrutura completa para receber os viajantes. Lá, o investimento no turismo como alternativa à ainda frágil economia ganhou força em meados dos anos 1990, após a proibição do garimpo mecanizado em várias cidades devido ao seu grande impacto ambiental.

A ruptura com o modelo econômico que durante anos serviu de sustento para grande parte das famílias do município e do seu entorno gerou impactos negativos. A década foi marcada pela emigração de moradores e aumento do desemprego, do consumo de drogas e da evasão escolar. Os investimentos, contudo, não paravam de chegar e a cidade não demorou a se tornar um polo turístico.

Porém, a renda gerada continuou não representando melhoria de vida aos moradores. “Nesse momento, chegaram muitos projetos mirabolantes e excludentes”, lembra Lillian Pacheco, educadora do Instituto Grãos de Luz e Griô, que há 20 anos proporciona oficinas voltadas à educação e cultura às crianças e jovens. Atenta à falta de perspectiva de trabalho apresentada a essa parcela da população, Lillian decidiu, ao lado do também educador e companheiro Márcio Caires, desenvolver o turismo comunitário na região.

Juntos, eles já haviam criado a Pedagogia Griô, que compreende a valorização e o resgate da tradição oral, da vivência e da sensibilização. As trilhas educacionais faziam parte dos projetos oferecidos e eram mais uma maneira de apresentar sua própria história.

As incursões foram remodeladas com o auxílio de Cecília Zanotti, diretora executiva da Artéria Facilitação Criativa e uma das fundadoras do Projeto Bagagem, pioneiro no fortalecimento do turismo comunitário. Para que a ação realmente funcionasse foi necessário o engajamento da comunidade. Cecília partiu, ao lado de Maíza Souza, então educanda e hoje coordenadora do projeto, para as comunidades do entorno apresentando a proposta de levar turistas para compartilharem ensinamentos e movimentar a economia. Como previam, obter o apoio das famílias não foi problema e, em 2006, os moradores de Lençóis se tornavam proprietários do próprio empreendimento turístico.

A comunidade passou a oferecer o contato com suas belezas naturais, seus saberes e fazeres, suas lendas e costumes. Todas as trilhas incluem alguma experiência de contação de história ou vivência, seja com os mais velhos ou com os “griôs aprendizes” – jovens que cresceram no instituto e começam a atuar como educadores e oficineiros.

Atualmente, cinco passeios são oferecidos aos viajantes. As Trilhas Griôs do Quilombo, da Afrodescendência, do Garimpo e das Ciências Tradicionais custam entre R$ 165,00 e R$ 185,00 e incluem alimentação e hospedagem em restaurantes ou casas de família. Em 2014, estima Lillian, a iniciativa movimentou R$ 100 mil, a maior parte destinada às famílias envolvidas e uma pequena parcela à instituição para a cobertura de gastos com pessoal e mobilização de mais recursos. As reservas, para grupos com mais de três pessoas, podem ser feitas nos sites http://www.acaogrio.org.br ou http://trilhagriochapada.org.br.

Casa que imita moradias dos garimpeiros da área ganha status de museu em Lençóis

“Depois das dragas, os garimpos foram fechados. Eu via pela janela os turistas passarem e tive a ideia de fazer a morada do garimpeiro, igual era na serra”, conta Coriolano Rocha de Oliveira aos turistas que chegam diariamente na construção anexa à casa onde vive com a família. Seu Cori, como gosta de ser chamado, se deu conta de que o pouco estudo não era empecilho na hora de repassar o conhecimento adquirido ao longo de 87 anos. Hoje, mesmo os estrangeiros dizem que “quem não vier ao Museu Vivo do Garimpeiro não veio a Lençóis”.

Seu lar é um dos pontos altos da Trilha Griô do Garimpo, que inclui banho no rio Serrano, lanche em meio à natureza e roda de contação de história no Salão de Areia. A caminhada em meio às formações rochosas que dão origem a areias de diferentes tons é parada obrigatória de todos que vão a Lençóis. O diferencial para quem participa da Trilha Griô é a narração de causos feitas por Maíza Souza, coordenadora do projeto de turismo comunitário.

Para a coordenadora do Programa de Voluntariado do Instituto CA (ICA), Daniela Pavan, ver o trabalho feito pelos aprendizes e o enraizamento comunitário alcançado para que as trilhas griôs se tornem realidade servem de inspiração para que os visitantes voltem às suas comunidades com vontade de promover mudanças. Pensando em multiplicar práticas educacionais e culturais inspiradoras, o ICA realiza, todos os anos, intercâmbios comunitários com um grupo seleto de voluntários da empresa. “É uma forma de mobilizar nossos colaboradores, normalmente jovens entre 18 e 25 anos, para fortalecer as ações locais”, destaca.

Destinos buscam conseguir maior prioridade nas políticas públicas para o setor turístico

Cecília Zanotti passou a se interessar por um novo modelo de exploração do turismo enquanto cursava Administração de Empresas em São Paulo, há aproximadamente 15 anos. De lá para cá, pouca coisa mudou. Experiente no setor e atualmente coordenadora da Artéria Facilitação Criativa, uma empresa social que busca conectar pessoas e instituições, ela destaca que esse deveria ser o modelo turístico mais estimulado no Brasil, mas não é. “Infelizmente, as políticas públicas continuam sendo voltadas principalmente a um modelo tradicional, que, inclusive, pode ser bastante prejudicial do ponto de vista social”, alerta Cecília.

Além da escassez de recursos e de políticas públicas voltadas ao segmento, um certo receio em pensar no impacto econômico da ação serve de entrave para que os projetos ganhem relevância, diz Lillian Pacheco, do Instituto Grãos de Luz e Griô. “Quando participo de encontros nacionais e fóruns, há muita gente dizendo que promove turismo comunitário. Mas quando eu pergunto quanto dinheiro é levado para as comunidades, fica um silêncio. Para mim, não existe turismo comunitário sem geração de renda para as comunidades. O objetivo tem que ser esse”, destaca.

Apesar das dificuldades, uma rede de destinos se forma no Brasil, conta Cecília. Na região Sul, Santa Catarina conta com um dos mais respeitados programas de turismo rural de base comunitária do Brasil, promovido pela Associação Acolhida na Colônia. No interior do Ceará, a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem Kariri recebe um número cada vez maior de interessados em conhecer seu trabalho de empoderamento infantil. No Norte, o projeto Saúde e Alegria faz o contato com a população ribeirinha da Amazônia. “Vemos que há um crescimento no número de turistas e de projetos semelhantes ao nosso todos os anos. Aos poucos, o turismo comunitário está crescendo”, reflete Lillian.

Quilombo do Remanso se tornou destino turístico graças às trilhas griôs

Um grupo de 30 pessoas percorre uma estrada de chão de Lençóis até um vilarejo vizinho. O tempo de deslocamento é curto, cerca de 30 minutos. O ponto de chegada não é um prédio histórico ou museu, uma das muitas cachoeiras ou grutas, mas a sombra de uma mangueira no Quilombo do Remanso.

Embaixo da árvore, em frente a uma casa simples, os visitantes iniciam o mergulho em suas origens. O Velho Griô – uma metáfora da ancestralidade do povo brasileiro, herdeiro da tradição oral -, personagem criado pelo educador do Grãos de Luz e Griô Márcio Caires, e Delvan Dias, o jovem presidente da Associação Quilombola do Remanso, criam um laço entre os componentes da roda. Tudo é preparado para colocar quem chega em contato com o estilo de vida daquele território que, de certa forma, é parte da identidade brasileira.

Esse é o início da Trilha Griô do Quilombo, passeio que inclui oficinas, passeio de canoa no rio Marimbus, forró pé de serra, jantar e pernoite nas pousadas familiares. Os habitantes do Quilombo do Remanso foram os primeiros contatados pelo Instituto Grãos de Luz e Griô para somar ao projeto de criar uma opção sustentável de turismo que aprendesse com a cultura do povo.

Foi a partir daí que os turistas começaram a participar da elaboração de xaropes com Dona Judite, a colher mandioca e preparar o beiju com Dona Agmar e Seu Aurino, a realizar oficinas de artesanato e redes de pesca com os moradores e a almoçar e jantar no restaurante do Zé Bracinho e da dona Lurdinha. Lá, conheceram a história do Nego D’Água, contada por Delvan, e puderam percorrer o Rio Marimbus em canoas, onde, conforme a lenda, a personagem aparece.

Hoje, o turismo tem um impacto forte na economia de cada uma das 58 famílias da comunidade quilombola. Além de pagar pela estadia, os visitantes adquirem os produtos fabricados artesanalmente pelos homens e mulheres e contribuem para que o estilo de vida tradicional não seja perdido.

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