Visão | Nestas seis quintas e casas, há tradição, história, enoturismo …


Martim, António e António Azevedo Guedes à frente da casa de família, em Penafiel

Lucília Monteiro

Por esta altura do ano, começa o regime de partilha entre os membros da família Guedes, proprietária da Quinta da Aveleda desde o século XVII. Cada um terá direito, entre abril e outubro, a uma semana de usufruto da casa senhorial, do início do século XX (apenas a capela privada remonta a 1671). “É um momento muito aguardado por todos”, confessa Martim, da quinta geração à frente do negócio dos vinhos, desde 1870. Ao percorrer o imenso jardim, é fácil perceber o anseio e imaginar as brincadeiras das crianças pelas follies, construções mágicas que parecem retiradas das ilustrações de um livro infantil.
A paixão pela botânica está espelhada pela propriedade, onde se encontram espécies raras de árvores, algumas centenárias, como o cedro japonês, o cipreste dos pântanos ou a sequoia americana. António Guedes, tio de Martim, que também nos acompanha no passeio, conta como este ecossistema foi pensado ao pormenor, para que, sob a sombra do arvoredo mais imponente, florescessem outras espécies. Ao longo da visita, somos constantemente surpreendidos por preciosismos. Há a casa do porteiro com remates feitos a cortiça e teto de colmo, a altiva torre das cabras que alberga as exemplares anãs, a janela manuelina outrora pertencente à Casa do Infante (onde, supostamente, D. João IV foi aclamado Rei de Portugal), a casa de chá junto ao lago dos cisnes com a faiança Bordallo Pinheiro de animais pendurada no teto, a Fonte das Quatro Irmãs, obra do mestre João da Silva, uma homenagem às senhoras da Aveleda, com cada perfil a representar uma estação do ano. Um requintado delírio, obrigatório para quem está de passagem pela região dos vinhos verdes.
Durante muito tempo, a discreta família Guedes procurou preservar este lugar. Ainda agora, estão previstas apenas quatro visitas guiadas diárias e é necessária marcação prévia. “Não querem o típico excursionismo”, explica Chantal Guilhonato, a responsável pelo enoturismo da marca do segundo vinho português mais vendido em todo o mundo, o Casal Garcia, nascido em 1939. A história da chegada do enólogo francês Eugène Hélisse, trajado de branco e chapéu de palha, assume os contornos de lenda. Ao avistar, das janelas do comboio, os vinhedos da Aveleda, decide sair no apeadeiro seguinte e conhecer a quinta. Acabaria por ficar e introduzir melhorias significativas no processo de vinificação. Produziria então este vinho branco, marcado pela sua frescura e leveza. “O rótulo rendilhado foi inspirado num lenço da minha avó”, conta António Azevedo Guedes (filho do outro António), que se junta ao grupo de jornalistas, para umas provas no jardim.

A quinta da Casa de Vila Nova, em Penafiel, pertence à família Lencastre desde o século XII

Lucília Monteiro

Dos tempos da fundação na nacionalidade
“Leve e fresco.” Essas características acabariam por se colar, para o bem e para o mal, à imagem dos vinhos verdes. “É uma marca muito forte, que prejudica a diferenciação”, sustenta Bernardo de Lencastre, da Casa de Vila Nova, em Penafiel. A quinta, na freguesia de Castelões, pertence à sua família paterna (descendentes de D. Filipa de Lencastre) desde o século XII, permanecendo apenas uma torre de pedra desse período. Durante muitos anos, foram produtores de uva, mas, perante a ameaça do corte das vinhas pelo pai, Bernardo e os irmãos decidiram, em 2009, ficar com a empresa agrícola (por €1) e avançar com a produção de vinho. “Somos umas crianças neste mundo”, diz Bernardo, cujas visitas à propriedade se resumiam ao período de férias. “Sou de Lisboa, mas gostava imenso disto”, recorda, com uma boa disposição contagiante.
Atualmente, têm cerca de 13 hectares (este ano querem chegar aos 20), investiram numa adega e criaram a marca Vila Nova. Com a ajuda do enólogo António Sousa, conseguiram distinguir-se pelos vinhos verdes e espumantes com madeira, de castas autóctones, arrancando boas pontuações das revistas da especialidade. A vertente enoturística ainda está a dar os primeiros passos, mas o potencial é notório. Veja-
-se, por exemplo, a capela com o altar barroco, em talha trabalhada, vedado por altura das invasões francesas, encontrado pelo avô de Bernardo. Por marcação, fazem provas e visitas à quinta e às vinhas.

A Casa de Vila Verde, em Caíde de Rei, Lousada, é uma das mais antigas do Vale de Sousa

A viragem para os vinhos é também relativamente recente na Casa de Vila Verde, em Caíde de Rei, Lousada, uma das mais antigas do Vale de Sousa. Pertencente à mesma família desde a fundação da nacionalidade, a quinta de 85 hectares (42 de vinha, os restantes de área florestal e de lazer) sofreu uma reestruturação em 1995, pelas mãos de Luís Pinto Mesquita, um dos herdeiros, abandonando a produção de leite. No rés do chão da casa senhorial (classificada como Imóvel de Interesse Público), onde era a adega, criaram uma sala de provas, que acompanham com queijos e pão da região. Aproveitaram ainda os edifícios agrícolas para construir um amplo salão de eventos (para 300 pessoas) e uma loja onde vendem todas as marcas do catálogo (Casa Vila Verde, Pluma, Tiroliro). Um cenário bucólico, com o som da água a correr no tanque a servir de banda sonora das visitas, por marcação.

A vinificação na Quinta da Torre, no concelho de Marco de Canaveses, arrancou em 2006, com a marca São Caetano

André Amaral

Hotéis vínicos, entre a história e a modernidade
É um dos mais antigos produtores da região dos vinhos verdes, remontando a fundação das caves da Quinta da Calçada a 1917, pelo republicano António Lago Cerqueira. Durante o exílio em França, especializou-se nas novas técnicas de plantação de vinha, aplicadas no regresso a Amarante. Manuel António da Mota, fundador do grupo Mota-Engil, comprou o edifício histórico e o negócio dos vinhos na década de 60 do século XX. Estes começaram por ficar em segundo plano, apesar de nunca terem parado a produção. A propriedade foi recuperada e, em 2001, abriu o hotel de charme Casa da Calçada (atualmente pertencente à cadeia Relais Châteaux), cujo restaurante, o Largo do Paço, alcançou larga projeção, em 2005, ao conquistar uma Estrela Michelin. Em 2012, as atenções viraram-se finalmente para os vinhos, com o relançamento da marca Quinta da Calçada, do ponto de vista da distribuição e da imagem. “Faz sentido que os vinhos sejam trazidos para a ribalta”, diz André Pinto, o diretor da empresa Agrimota, com autonomia de gestão em relação à hotelaria e à gastronomia. Um passo acertado, a julgar pelo reconhecimento de revistas da especialidade, nacionais e internacionais, do trabalho feito pelo enólogo João Cabral Almeida. “Os vinhos concentram-se no segmento premium, correspondendo ao melhor que a região consegue fazer”, sublinha André Pinto.

A notoriedade do hotel e do restaurante da Casa da Calçada, em Amarante, ajuda a promover os vinhos Quinta da Calçada

Lucília Monteiro

A notoriedade do hotel e do restaurante ajuda, naturalmente, a promover os vinhos. “Os hóspedes ficam maravilhados com esta produção”, relata André Pinto. Provas organizadas, visitas à quinta e à adega são algumas das experiências possíveis. Aproveitando a comemoração dos 100 anos das caves Quinta da Calçada, está prevista a construção de um percurso interpretativo pela que se julga ser a parcela de vinha mais antiga da região. Meio hectare sobranceiro a Amarante e à Casa da Calçada, onde se dará a conhecer a evolução das técnicas de viticultura ao longo do tempo e o espólio das castas. Vão avançar também com duas salas de provas no meio das vinhas, para uma imersão total neste mundo.
O potencial da região foi igualmente reconhecido pelos administradores da Quinta da Lixa, um dos maiores produtores de vinho verde. A aquisição da Quinta de Sanguinhedo, entre os concelhos de Amarante e de Felgueiras, e a curiosidade crescente à volta do setor vitivinícola, levou-os a apostar num hotel rodeado pelos 22 hectares de vinhedo. Em 2015, inauguraram o Monverde – Wine Experience Hotel, com o projeto do arquiteto Fernando Coelho a aproveitar as casas preexistentes, camufladas na envolvente rural.
A oferta enoturística é fortíssima, com experiências como a “enólogo por um dia” ou “um dia entre viticultores”, participação nas vindimas e tratamentos de vinoterapia no spa. A carta de vinhos do restaurante do hotel, apesar de privilegiar a região, tem bons exemplares de outras latitudes. “Queremos potenciar o conhecimento do vinho verde, mas quem nos visita consegue ter uma experiência a nível nacional”, afirma Diogo Vieira, responsável pelo marketing. E, como isso merece ser festejado, brindemos, pois!

Quinta 
da Aveleda
Há quatro visitas guiadas diárias, 
com cerca de 
75 minutos cada, para dar a conhecer os jardins, o edifício da Adega Velha onde repousam as barricas de carvalho francês que guardam a célebre aguardente e parte da produção, finalizando-se depois com uma prova de vinhos. Existem também provas temáticas, nomeadamente a Trilogia de Alvarinhos e a Trilogia de Regiões, além de programas temáticos como piqueniques nas vinhas, almoços para grupos e workshops. Estas atividades exigem marcação prévia e os preços são sob consulta.
R. da Aveleda, 2, Penafiel T. 255 718 242 seg-dom, 10h, 11h30, 15h00, 16h30

Casa de Vila Verde
É possível marcar provas de vinhos da quinta (compostas por um vinho verde e um vinho regional Alvarinho), visitar a casa senhorial, a adega e as vinhas e fazer jantares de grupos. Durante as vindimas, os visitantes também podem participar, acompanhando o processo todo e, no fim, levam a sua garrafa.
R. de Vila Verde, 150, Caíde de Rei, Lousada T. 91 082 1191/255 821 450 programas entre €10 e €15
 (por marcação)

Monverde 
Wine Experience Hotel
O hotel vínico dispõe de vários programas. Há “um dia entre viticultores”, em que é possível participar nas atividades de poda, plantação, condução da videira, enxertia, controlo de maturação e vindima, terminando-se com a prova de um vinho verde (€15). Também pode ser “enólogo por um dia”, com direito a prova de vinhos monocastas da Região dos Vinhos Verdes, construção de um lote, criação de uma marca e rotulagem, podendo inclusive depois harmonizar o vinho criado por si no restaurante Monverde (€25). Existem visitas gratuitas ao centro de vinificação e às linhas de engarrafamento da Quinta da Lixa, a quatro quilómetros do hotel, para conhecer as etapas do processo produtivo dos vinhos verdes. Podem ser ainda marcadas provas de vinhos comentadas, individuais ou para grupos (€7,50 a €18).
Quinta de Sanguinhedo, Castanheiro Redondo, Telões, Amarante 
T. 255 143 100 visitas grátis ao centro de vinificação seg-sáb 9h-11h, 14h-17h quartos a partir de €135 restaurante Monverde seg-dom 12h30-15h, 19h30-22h

Casa da Calçada
Organizam provas de vinho comentadas numa sala privada do restaurante Largo do Paço. Dentro da garrafeira, também existe uma mesa para provas mais pequenas. No restaurante, as harmonizações com os menus de degustação (€95+€65 ou €140+€95) procuram incluir os vinhos da casa. A adega da Quinta da Calçada, a três quilómetros, também é visitável.
Largo do Paço, 6, Amarante T. 255 410 830 quartos a partir de €95 restaurante Largo do Paço seg-dom 12h30-15h, 19h30-22h

Casa de Vila Nova
Por marcação, são organizadas provas de vinho, que incluem visita à quinta.
R. de Vila Nova, 279, Castelões, Penafiel T. 255 732 452/ 96 294 1298 preços sob consulta

Quinta da Torre
Organiza, por marcação, provas 
dos sete vinhos 
do catálogo da 
S. Caetano, e também pode preparar almoços para grupos para um mínimo de dez pessoas. A visita à quinta está incluída.
R. da Torre, 581, Banho Carvalhosa, Marco de Canaveses T. 91 939 1781 €10 provas, mínimo €35 almoço

No Monverde – Wine Experience Hotel, em Amarante, a oferta enoturística é muito variada

Fernando Guerra

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