Turbantes, buzinas, elefantes

A expresso to comum que quase se tornou um mantra na ndia: “Horn please”. Ao mesmo tempo simples, polido e infernal, o pedido estampado em boa parte dos carros por l antes de tudo prtico. Quer ultrapassar –numa rua, avenida, estrada?– Buzine, por favor!

Nos 30 anos que se passaram desde que conheci esse pas fascinante pela primeira vez, muita coisa mudou por l. Por exemplo, chegar ao aeroporto de Nova Dli no mais a experincia traumatizante como a que tive naquela manh quente de dezembro de 1985, quando pus os ps l pela primeira vez. Mas a frase curiosa ainda est estampada em boa parte do carros.

Lembro-me da estranheza com que vi aquilo na minha chegada. Levei alguns dias para perceber que, longe de uma campanha para piorar a poluio sonora de uma cidade (alis, um pas) que j barulhenta (o), as pessoas pedem para quem est atrs buzinar porque… bem, porque boa parte dos carros –pelo menos naqueles idos dos anos 1980– simplesmente no tinha um espelho retrovisor!

E no estou falando dos “tuk tuks”, aquelas “charretes motorizadas” que infernizam os congestionamentos das metrpoles indianas. Eu no conseguia achar retrovisores nos carros mesmo. Ta algo que mudou na ndia –e estive l em dezembro passado, para poder confirmar: os veculos agora saem da fbrica com os devidos espelhos. A questo que os motoristas parecem no ter o hbito de us-los!

Esse certamente era o caso daquele que nos levava, em 2004, numa viagem pelo Rajasto, uma das regies mais lindas do pas. No me lembro de seu nome, mas certamente no me esqueci de seu turbante. claro que ele no era o nico condutor indiano que portava aquele “estilo” –mas no me recordo de ter visto um arranjo to caprichado.

Ele era, como uma parte representativa da populao indiana, um sikh –religio em que o turbante, chamado de “dastaar”, tradio obrigatria (o ltimo primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, usava o seu com muita elegncia). Entre os sikhs, ele representa espiritualidade, honra e coragem. E isso nosso motorista tinha de sobra.

Coragem fundamental para dirigir na ndia –sobretudo nas estradas. Para voc ter uma ideia, o trajeto entre Nova Dli, nossa largada, e Udaipur, nosso destino, tem exatos 673 km –e levamos 16 horas para percorr-lo!

Passamos por todo tipo de “emoo” no caminho: ultrapassagens dignas de sequncias de perseguio de filmes de Hollywood (ou mesmo Bollywood!), engarrafamentos sonolentos, camadas de poeira, fumaa e areia se acumulando na pele, odores e sabores dos mais variados e toda sorte de animais, que competiam por espao nas mesmas faixas que os carros. Inclusive elefantes –nem sempre pilotados.

Nosso motorista enfrentava impassvel cada um desses obstculos e pouco falava: quem cuidava da comunicao entre ns era meu grande amigo indiano, Tuli. Uma buzinada ou outra era a nica reao que ele eventualmente demonstrava. Na nossa parada na exuberante Jaipur, acho que o vi esboar um sorriso diante do Hawa Mahal, o impressionante palcio rosa.

Mas de l at Udaipur, nosso ponto final, ele voltou a ser aquela figura sria, nos transportando com a mesma dignidade do maraj dali –que transformou parte da sua “humilde residncia” em um hotel to luxuoso que os hspedes recebem na chegada um papel de carta personalizado com seu nome.

Que, no meu caso, veio escrito Jos Carlos Masculino –mais uma histria fascinante, dentre tantas que vivi da ndia, que conto da prxima vez que “passarmos” por l…

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