Próximo a Nova York, ‘cemitério de navios’ vira atração turística

Caiaques de cores brilhantes flutuam em torno do casco apodrecido de um caa-submarinos da Segunda Guerra Mundial, consumido pela ferrugem at se tornar um destroo fantasmagrico, banhado por guas salgadas como lgrimas.

Os caiaques remados por turistas ento deslizam por mais alguns metros e chegam a uma balsa deteriorada, semiafundada, parte de sua turn pelo “cemitrio de navios”, que percorre um ferro velho naval em Nova York que serve como repouso final para dezenas de embarcaes, militares e de trabalho.

No passado, estabelecimentos como esse eram vistos como borres na paisagem e todo mundo buscava evit-los, mas agora estaleiros de desmonte, ferros velhos navais e aterros sanitrios comeam a ser repaginados como atraes tursticas.

Para uma prtica s vezes definida como “turismo de runas” ou at “pornografia de runas”, dramticas fotos disponveis na Internet mostram barcos deteriorados revelados pela mar baixa, ou carcaas de automveis envoltas em musgo luxuriante, e so usadas para atrair os interessados em ver com os prprios olhos a visitar os locais.

“Os locais so muitas vezes apreciados por sua autenticidade ou por seu valor como novidade, em sua forma de runas contemporneas”, diz Karl Kullmann, professor de paisagismo e urbanismo na Universidade da Califrnia em Berkeley.

O turismo de runas atrai visitantes a marcos histricos famosos pela dilapidao, como o Depsito Ferrovirio Central do Michigan e a antiga fbrica da Packard em Detroit. Em White, Gergia, um arruinado repositrio de mais de quatro mil automveis abandonados e envoltos em plantas e rvores, o Old Car City USA, atrai visitantes pagantes de todo o mundo. Em Hot Springs, Arkansas, os entusiastas do ciclismo acorrem a um aterro sanitrio repaginado que incorpora trilhas de mountain bike e leva o nome de “Tour de Trash”.

“Esse tipo de turismo atrai pessoas interessadas nos detritos do capitalismo”, diz Rebecca Kinney, professora assistente no departamento de cultura popular da Escola de Estudos Crticos e da Cultura na Universidade Estadual de Bowling Green.

As estruturas em Detroit so “lembretes, deixados pelas dcadas, da ascenso e queda vertiginosa da indstria”, ela diz.

CEMITRIO DE LEMBRANAS

A visita ao Cemitrio de Navios, no rio Arthur Kill, que separa Nova Jersey do distrito de Staten Island, em Nova York, muitas vezes lota e muito mais popular do que passeios de caiaque a lagos e rios buclicos nas redondezas organizados pelo operador de turismo John Pagani.

Aquilo que faz do lixo de uns a atrao turstica de outros parece estar na capacidade do local visitado para despertar a imaginao, ele diz.

“Uma coisa de que as pessoas gostam no cemitrio de navios que ele velho, enferrujado e pode-se ver o desgaste. Voc imagina aqueles barcos quando no eram assim, e reflete sobre a forma pela qual o tempo toma o controle de todas as coisas”, diz Pagani.

“Isso atrai muita gente. Voc imagina a poca em que aquele navio estava na gua, fazendo seu servio”, ele diz.

No caso do caa-submarinos PC 1264, o servio era caar submarinos alemes em um esforo para proteger os comboios de navios mercantes aliados que cruzavam o Atlntico durante a Segunda Guerra Mundial. A embarcao foi uma entre as apenas duas da marinha norte-americana na guerra a ser tripulada majoritariamente por negros, de acordo com o NavSource.org, um site de histria naval.

Bem perto ficam os restos enferrujados do YOG-64, com sua poro central comida pela corroso que deixou uma poro como que rendilhada nas laterais metlicas do barco, bem distante de sua imagem como barcaa de transporte de gasolina para a marinha norte-americana no Pacfico, na Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra, o YOG-64 participou dos testes nucleares no atol de Bikini, no Pacfico Sul, em 1948.

Destroados por tempestades e pelo tempo, alguns dos barcos que Pagani conhecia de viagens anteriores agora se deterioraram a ponto de se tornarem irreconhecveis. Por exemplo, ao buscar o Abram S. Hewitt, um barco de resgate movido a vapor e usado pelos bombeiros de Nova York entre 1904 e 1958, Pagani no conseguiu encontrar nem mesmo uma portinhola ou chamin reconhecvel em meio aos destroos semissubmersos.

Os atrativos do cemitrio de navios parecem irresistveis, mesmo para os praticantes do caiaque que inicialmente contatam Pagani pensando em remar por canais e riachos serenos e puros.

“Quando eles veem as fotos do cemitrio de navios, ficam interessados”, diz Pagani. “De repente, todas aquelas belas paisagens perdem o interesse”.

Traduo de PAULO MIGLIACCI

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