O turismo que promete nova vida ao Centro

Os fogos pintaram a paisagem e vestiram as gentes de negro, mas a confiança começa já a ganhar outras cores. Na região Centro, onde 59 dos 100 concelhos foram tocados pelas chamas de junho e outubro de 2017, as contas aos prejuízos estão a dar lugar a novos projetos. A maioria está ligada ao turismo.

“Percebemos que havia dois caminhos: ou captarmos novo investimento ou eventualmente reunirmos as condições para que as empresas existentes pudessem reerguer-se na sua atividade e, a partir daqui, conseguirmos continuar o caminho de consolidação do crescimento que tivemos em 2017”, diz Pedro Machado, presidente da maior região de turismo do País, em declarações ao Dinheiro Vivo.

As estatísticas ignoram o verão difícil. Na região Centro, que vai de Ovar a Sobral de Monte Agraço – passando por Castanheira de Pera, Penela, Figueiró dos Vinhos, Pedrógão Grande, Góis, Pampilhosa da Serra ou Sertã -, o turismo teve o melhor ano de sempre. O número de hóspedes cresceu 13,2%, as dormidas avançaram 14,5% e os proveitos subiram 19,4%. Os primeiros resultados de 2018 alimentam as expectativas de novo crescimento, e a obra já feita depois dos fogos reforça a capacidade para receber turistas.

“Felizmente temos praticamente reabilitados todos os empreendimentos atingidos pelos fogos, à exceção de dois ou três, nomeadamente em Tábua e no concelho de Seia. Mas dos 94 estabelecimentos afetados, praticamente todos já estão em velocidade cruzeiro”, destaca.

Empresários e municípios não têm estado sozinhos. Aos fundos para a reconstrução de casas e empresas, e aos apoios para a agricultura e reflorestação, o Turismo de Portugal juntou uma linha específica para apoiar o investimento turístico ameaçado pelos fogos. Nos últimos meses, a linha do Valorizar para os incêndios totalizou 42 projetos, num incentivo que ascende a 11 milhões de euros.

O programa, no entanto, desdobra-se em bem mais. No global, o Valorizar já aprovou 256 projetos turísticos. E só a linha de valorização turística do Interior fez chegar 30,4 milhões de incentivos aos 124 projetos aprovados, num total de 45,3 milhões de euros de investimento global.

“Existe uma dinâmica enorme neste território com projetos dinamizados por câmaras e entidades públicas, aproveitando a linha do Valorizar para dinamizar produtos turísticos do Interior, mas também projetos privados para aproveitar cada vez mais os nossos recursos, o que é nosso e único – as nossas vinhas, as nossas aldeias -, e transformá-los em produto turístico”, destaca, por sua vez, Ana Mendes Godinho, secretária de Estado do Turismo.

É o que fez Nuno Cancela de Abreu, que pegou na tradição vitícola que acompanha a família desde o século XIX, e lhe acrescentou valor turístico. Desde janeiro que as portas da Quinta da Giesta se abriram para receber visitantes, naquele que é o primeiro projeto de Enoturismo da região Centro, e que terá apoio do Valorizar.

“Estes investimentos, este Valorizar, têm sido cruciais para que possamos devolver a confiança dos empresários que já cá temos, bem como as novas apostas, como é o caso deste projeto de enoturismo. Significa isto que estamos a procurar reforçar a competitividade do território a partir dos empresários que já cá têm investimentos ou eventualmente podem reabilitar investimentos existentes”, reforça Pedro Machado.

É o que vai acontecer em Tábua. José Santos, presidente do grupo algarvio Luna, vai resgatar o hotel criado em 1994 pela Turismo Fundos. Fechado há três anos, o espaço ganhará novo investimento e criará 35 novos empregos diretos. O objetivo é reabrir com uma classificação superior à atual (quatro estrelas) e uma cara nova que pretende agradar a um público mais exigente.

“Há uma procura enorme de mercados de longa distância, como os Estados Unidos ou a Ásia. E devemos lembrar que Fátima é hoje um dos destinos que mostra maior apetência para mercados como a Tailândia, Filipinas ou Coreia do Sul”, destacou Pedro Machado.

“São mercados que gastam muito no território”, destaca, por seu lado, a secretária de Estado, realçando a importância dos nichos que apostam na “autenticidade com inovação”. Um fator a que hoje se chama luxo.

Projetos que andam para a frente

O primeiro projeto para além da reconstrução
-Casal de São Simão, Figueiró dos Vinhos

IMG_1662Habitantes permanentes já só são três, mas Casal de São Simão, uma das 27 Aldeias do Xisto, chega a atrair à volta de 10 mil turistas todos os anos. A maioria vem no verão para mergulhar na Natureza e nas águas frescas da ribeira de Alge e já conta com dois alojamentos rurais para ficar. Havia um senão: o carro sempre foi fundamental para fazer a ligação entre a praia fluvial, a aldeia e um miradouro, a pedir requalificação. Até final de 2019, a Câmara de Figueiró dos Vinhos, num projeto apoiado pelo Programa Valorizar, vai investir quase 400 mil euros na reestruturação daquele espaço para captar novos turistas de Natureza.

A aldeia, o miradouro e a praia vão ser ligados por um passadiço e escadaria de um quilómetro de extensão, que prometem reavivar um concelho onde 75% do território ardeu no verão de 2017. “É o primeiro projeto para além da reconstrução”, disse Jorge Abreu, presidente da câmara de Figueiró dos Vinhos. Os objetivos estão bem traçados: “Este projeto vai conseguir segurar o turista, que poderá, a partir do miradouro, percorrer todo o percurso, usufruir da aldeia, do restaurante e da praia fluvial”. A autarquia tem, ao todo, nove milhões de euros a concurso em projetos empresariais, de turismo, património e eficiência energética. Muito para um município onde o orçamento anual não vai além dos 8 milhões.

Um emigrante e uma aldeia que não quer ficar deserta
– Aldeia do Loural, Góis

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Não tem sete vidas, mas tem desafiado a morte. Quando todos os moradores saíram e deixaram o Loural condenado à desertificação, apareceu Francisco Castanheira Nunes. O emigrante português na Holanda comprou todas as casas que ainda pertenciam a uma família e 34 hectares de terreno à volta desta aldeia. Investiu vários milhões para dar nova vida às casas e ao espaço a que chamou Loural Village. Cedo começou a receber turistas. As cinco casas, com nove quartos, todos equipados com cozinha, tornaram-se pequenas para tanta procura e surgiram planos para reconverter as restantes ainda por recuperar.

Mas a morte voltou a pairar. Os incêndios que transformaram em cinzas 52 992 hectares do concelho de Góis também desfiguraram o Loural. Duas casas velhas foram consumidas, e Mariana Botelho Neves, responsável pelo espaço e única funcionária permanente, viu-se cercada pelas chamas. A aldeia ecológica nunca mais abriu. Está agora à espera do novo fôlego que a Câmara promete dar com ajuda do programa Valorizar. Vão ser construídas calçadas e um lancil, colocados carretéis para incêndios e baias nas estradas. Jovens voluntários vão passar a mensagem sobre as proteções das encostas “e atrair pessoas ao Loural”, diz Fátima Gonçalves, técnica de Turismo. A execução é até junho de 2019. Quem sabe as portas da vila podem abrir mais cedo.

Os três generais de Napoleão unem mais do que separam
-Rota da batalha do Buçaco, Mortágua, Penacova e Mealhada

IMG_1835Chamam-lhe Guerra Peninsular, mas em Portugal não são mais do que as Invasões Francesas. Junot, Massena e Soult eram os temidos generais de Napoleão que, entre 1907 e 1910 aterrorizaram terras lusitanas. São as pegadas que deixaram em Mortágua, Penacova e Mealhada que os municípios agora aproveitam em projetos supramunicipais. Em Mortágua, a secretária de Estado do Turismo descerrou a placa do Núcleo Museológico que quer contar a história das invasões de forma interativa, numa altura em que o Turismo Militar começa a ganhar importância no País.

São os projetos supramunicipais, e que agregam conceitos, que os turistas de hoje mais querem ver. E, lembra Ana Mendes Godinho, com tantos franceses e ingleses a visitar Portugal, a Guerra Peninsular é “produto vendável”. Júlio Norte, presidente da Câmara, assegura que a preservação do património histórico do concelho é o fator de diferenciação que Mortágua quer deixar aos turistas. Os generais franceses acamparam uma semana naquele município e, em breve, os turistas também poderão percorrer os caminhos que os soldados trilharam enquanto contavam espingardas para a Batalha do Buçaco. Os trajes é que, desde agosto, já podem ser vistos no museu.

O enoturismo saltou das quintas do Douro
-Quinta da Giesta, Mortágua

Os segredos da viticultura já correm no sangue dos Cancela de Abreu desde 1884. É desse ano que surgem os primeiros registos da casa senhorial construída no centro de Mortágua e das primeiras tradições da feitura do vinho. Nuno representa a quarta geração de viticultores e enólogos da família. Mas desta vez resolveu fazer diferente. À produção de vinho, que o levou a constituir a Boas Quintas, em 1991, juntou agora o enoturismo. As portas aos turistas abriram em janeiro e, agora, foi assinado o projeto de investimento, que ascende a 118 mil euros e tem apoio do Programa Valorizar.

Nuno Cancela de Abreu espera poder atrair 2000 a 3000 turistas por ano, aproveitando os muitos que já passam ali ao lado, pela Aguieira ou Viseu. “Neste momento estamos a fechar parcerias com operadores e agentes para incluírem a Quinta nos programas de visita”, admitiu o enólogo, que se candidatou ao programa para adaptar as instalações da Boas Quintas, promover o novo espaço de enoturismo e disponibilizar novos programas e atividades a quem visita as instalações. Para já, é possível visitar a adega e os 12 hectares de vinha, aprender a provar vinho e a identificar os aromas presentes em cada casta. Até há jogos: quem adivinhar três em cinco aromas recebe uma garrafa de prémio.


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