Em uma noite chuvosa de junho do ano passado, 2.000 pessoas lotavam o auditrio de uma escola no distrito de El Raval, Barcelona. Estavam todos l para descobrir mais sobre um novo movimento de base que havia sido lanado por uma das mais proeminentes ativistas e acadmicas da cidade.

“Queremos ocupar a prefeitura e abri-la ao povo”, disse Ada Colau audincia ao detalhar um “processo de revoluo e democracia radical” concebido para devolver o poder aos cidados de Barcelona. Um ano mais tarde, Colau voltou a convocar os cidados de Barcelona. Mas o novo encontro foi marcado para a prefeitura. E Colau j no era uma ativista cujo objetivo era combater o poder do lado de fora, mas sim a principal lder da cidade.

No sbado (13), Colau, 41, tomou posse como prefeita de Barcelona. ” a vitria de Davi sobre Golias”, declarou, com lgrimas nos olhos. Ela e sua equipe agora levaro adiante o que definem como plano de emergncia: uma lista de 30 medidas com o objetivo de criar empregos e lutar contra a insegurana no trabalho, garantir direitos bsicos e enfrentar a corrupo.

A estrada que aguarda Colau ser difcil –e no s porque seu partido, dez assentos abaixo da maioria no Legislativo, precisar formar alianas constantemente para governar. medida que o partido devolve o controle da cidade aos moradores e comea a desenvolver uma maneira nova e mais participativa de fazer poltica, passa a enfrentar oposio de alguns grupos que se opem profundamente a essa ideia.

Outros dizem que o principal desafio de Colau vir de uma cidade que est na encruzilhada. “O modelo de Barcelona est em declnio”, diz a jornalista Marta Monedero, em referncia s ideias que orientaram o crescimento da cidade no final dos anos 80 e comeo dos anos 90 e ajudaram a coloc-la no mapa do planeta.

Monedero recentemente coeditou um livro intitulado “O Sonho de Barcelona: Uma Cidade para Ver ou uma Cidade para Viver?”, no qual ela e a jornalista Nria Cuadrado perguntavam a moradores de diversos setores da sociedade sobre as questes que a cidade enfrenta. O que constataram foi que o modelo um dia to bem sucedido em orientar a cidade agora estava muito fora de sintonia com a realidade cotidiana.

CONTRA AS HORDAS

Uma questo que Colau tem em seu radar o turismo. As ltimas dcadas viram o nmero de turistas que chegam a Barcelona mais que quadruplicar, de 1,7 milho em 1990 a 7,5 milhes em 2013. A cidade agora a terceira mais visitada da Europa, e o nmero de turistas quatro vezes maior que o de moradores.

Por muitos anos, esses indicadores eram vistos como histria de sucesso, j que os visitantes deixavam valor estimado em 12 bilhes de euros nos cofres da cidade e sustentavam 100 mil empregos. Mas questes persistentes quanto ao barulho, aluguel irregular de apartamentos para turistas e preos cada vez mais altos para os imveis levaram os fatigados moradores a traar linhas de batalha, nos ltimos anos, contra o exrcito aparentemente interminvel de turistas, armados de cmeras e portando copos de cerveja.

Na praa del Sol, no bairro de Grcia, operrios martelavam dentro de um edifcio de trs andares que est sendo lentamente convertido em um hotel de 14 quartos, com restaurante e piscina. Em fevereiro, o edifcio foi ocupado por ativistas, que o transformaram em escritrio improvisado para ajudar as pessoas que estavam sendo despejadas de suas casas.

O grupo foi desalojado pela polcia no comeo deste ms. O lema “Grcia no est venda”, pichado na lateral do edifcio, a nica lembrana de sua ocupao em protesto contra os efeitos do turismo descontrolado sobre a cidade.

Colau prometeu impor uma moratria concesso de novos alvars para hotis e apartamentos destinados a turistas, a fim de determinar o estoque de acomodaes disponveis e o nmero de quartos que cada bairro pode sustentar de modo realista. A esperana, ela diz, evitar que Barcelona se torne “parecida com Veneza” –uma cidade da qual os moradores foram expulsos pelos turistas.

Os bairros mais centrais da cidade esto repletos de hotis e imveis irregulares de locao para turistas, ela disse, resultando em uma disparada nos aluguis e na sensao, entre os moradores, de que eles esto sendo expulsos de suas casas.

Se isso no for controlado, diz a prefeita, o turismo em massa em Barcelona pode matar a essncia da cidade, exatamente o que atraiu turistas a ela em primeira lugar. “Mais e mais turistas se decepcionam quando visitam Barcelona e encontram um parque temtico em lugar de uma cidade. Todos querem ver a Barcelona real, mas se o centro se enche de multinacionais e grandes lojas que voc pode encontrar em qualquer outra cidade, isso no funciona”.

O objetivo dela distribuir os turistas pela cidade e reprimir os empregos precrios e muitas vezes mal remunerados que o setor gera. “Estamos afirmando que precisamos impor condies ao setor, aos restaurantes e hotis, para promover uma melhor distribuio de renda”, disse Colau.

O imposto sobre o turismo, hoje usado para promover as atividades tursticas, ser em lugar disso direcionado a prover servios bsicos para os bairros mais afetados pelo influxo de visitantes.

O documentarista Eduardo Chibs, que capturou a conversa polarizada da cidade sobre o turismo em seu documentrio “Bye Bye Barcelona”, duvida que transferir turistas a outros bairros resolva o problema. “Simplesmente vai criar problemas em outro lugar”, ele disse, apontando para a srie de protestos deflagrados no distrito de La Barceloneta no ano passado depois que trs italianos saram farra nus pelas ruas do bairro certa manh de sexta-feira.

“Imagine as pessoas que moram l. Elas simplesmente explodiram. La Barceloneta era um bairro bacana para caminhar com a famlia, comer, tomar uma bebida. Agora, est ficando bem complicado”, ele disse.

Reproduo-21.ago.2014

Site do jornal ‘The Guardian’ noticia invaso de ‘pelades’ em La Barceloneta

Chibs argumentou que os turistas inevitavelmente terminaro atrados pelas mesmas reas. “Os turistas vo aos mesmos lugares –para isso esto aqui”, ele disse, apontando para as massas que se formam diariamente em torno da mais famosa obra de Anton Gaud, no bairro de Sagrada Famlia, perto de sua casa. ” espetacular, realmente incrvel”, ele disse. ” preciso rir disso. No vou mais me amargurar”.

A soluo mais simples, disse Chibs, estaria em levar menos turistas a Barcelona. Seria possvel impor limites s visitas de navios de cruzeiro cidade, e uma campanha de represso aos apartamentos irregulares alugados a turistas no atrapalharia. “Se eles encontraram timas maneiras de atrair pessoas, estou certo de que conseguiro encontrar maneiras de extrai-las”.

Traduo de PAULO MIGLIACCI