As pazes com Roma

Era sempre uma situao embaraosa. Quando algum amigo me contava sobre uma passagem por Roma, eu disfarava dizendo vagamente: “Faz muito tempo que no visito a Itlia”. A mais pura verdade.

Com exceo de uma passagem rpida por Veneza (2008) e uma ainda mais breve por Lana (2006), a ltima vez que investi em turismo italiano tinha sido em 1998 –num (inegavelmente) belssimo roteiro pela Siclia, que me obrigou a passar tambm dois dias por Milo.

Roma mesmo, fazia dcadas que no visitava. Quando me perguntavam a razo dessa “ausncia”, eu me enrolava. Tinha um registro de que essa era uma uma cidade confusa, meio apertada, cheia de gente, onde eu no havia sido um turista completo.

Mas a eu me vi na Europa –e com um fim de semana livre. Para a minha “no surpresa”, encontrei bilhetes da cidade onde eu estava (na pennsula ibrica) at Roma por uma frao do preo que voc paga para voar menos de 500 km no Brasil. E disse: “Perch no?”.

Foi ento que me encontrei no banco de trs de um taxista que, assumindo que meu italiano era fluente, reclamava com certo humor da maratona de Roma que fecharia boa parte do centro histrico no dia seguinte, um domingo. Eu entedia cerca de 30% do que ele falava, mas uma coisa no me escapou: no meio de suas rabugices, ele admitia que aquela era a maratona mais boni-ta que existia, porque, afinal, seus participantes tinham o prazer de correr por alguns dos monumentos mais lindos do mundo.

Tive que concordar. J com minha resistncia vencida, embarquei por aquelas ruas ocres como se fosse um turista aprendiz. Ignorei o mapa que o concierge do hotel me deu e deixei o acaso me revelar uma coleo de pontos de exclamao. Piazza Navona! Panteo! Coliseu! Fontana di Trevi! Villa Medici! Piazza di Spagna!

E esses eram s os cartes- postais. Espontaneamente, fui descobrindo outros motivos mais corriqueiros para me deslumbrar: Esquina! Janela! Jardim! Varanda! Carbonara!

Rendi-me s evidncias: minha antipatia a Roma era pura implicncia. Percorrendo sozinho a cidade, fui sucessivamente perdendo e recuperando o meu flego –numa exposio de Morandi, numa rvore iluminada perto do Frum, no teto de um palcio privado, na geometria de um domo, numa criana tentando alcanar uma bolha de sabo gigante s margens do Tevere. E, sobretudo, num prato de espaguete!

Numa pesquisa de internet, em meio a vrios restaurantes “da moda”, surgiu a indicao de uma cantina que me pareceu “autntica”, no Trastevere. Il Vascello o nome dela, mas voc no descobriria s de olhar o seu exterior.

Quando o txi me deixou l, achei que estava fechada. Mas ao entrar, alm do paladar, todos os outros sentidos pareciam ter conspirado para me dar a prova final que em Roma eu podia ser feliz. Entre berinjelas encharcadas em azeite e uma torta de ricota quase lquida (de to leve), provei a melhor pasta da minha vida, com vngole e bottarga. Superior!

J na sada, a dona do local, Dorina, mulher do chef, Angelo, percebeu que eu era brasileiro e me perguntou onde eu morava. Em seguida, retrucou com humor: “Mas voc mora no Rio? A cidade mais linda do mundo? O que veio fazer em Roma?”.

Era, claro, uma provocao. Mas eu estava contente demais para aceit-la. Dei um abrao carinhoso em Dorina e sai pela noite romana, sem a menor vontade de defender, mesmo que amigavelmente, a cidade que, anagramas parte, me fez redescobrir o amor.

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