Ao sabor de Baco

Um clarão de verde e luz inunda o quarto, ao correr as cortinas, de manhã. A vinha espraia-se encosta abaixo — e o que se avista é qualquer coisa… Parece a cauda de um vestido de gala, com as filas de videira alinhadas por ali fora. No Monverde Wine Experience, perto de Amarante (a 45 minutos do Porto), nem o chilrear dos pássaros interrompe o silêncio matinal. Respira-se tranquilidade nesta zona de vinhos verdes, tão desconhecidos como mal-amados. Associados por muitos ao vinho frisante que acompanha o leitão, a verdade é que esta região tem muito mais para oferecer.

Nos últimos anos, multiplicaram-se os alojamentos ou as quintas com produção de vinho, que apostam numa oferta global em torno de Baco, muito além das provas. Acompanham uma tendência mundial de turismo, a dos foodies, que gostam de viajar para comer e beber bem. Mas nada neste ‘embrulho’ pode ser descurado. Aqui no Monverde, a arquitetura é dominada por duas cores: a madeira clara do pinho, e o verde que a CIN criou de propósito para o hotel. O traço de Fernando Coelho e a decoração de Paulo Lobo impressionam de imediato. E também impressionaram o mundo, a julgar pela quantidade de prémios ganhos desde que o hotel abriu, em 2015: o “Great Wine Capitals”, de 2016, para melhor enoturismo do mundo, e em 2017, o “World Luxury Spa Awards”, relativamente ao spa. Serviços que auguram bom futuro, e que já conquistaram metade do público, estrangeiro.

Piscina da Herdade da Malhadinha Nova, no Alentejo

Na varanda exterior, com vista sobre outra encosta de vinha, alguém pergunta: “Aceita um copo do nosso espumante?” Este é o lugar para ver o pôr do sol. Aprendemos que não há apenas vinhos verdes na região: há brancos frescos, repletos de acidez, rosés, espumantes, tintos e late harvest. Ao todo, são 22 referências que tem a Quinta da Lixa, propriedade da família Meireles, a fazer vinho desde 1986. Hoje, produzem 4 milhões de garrafas/ano, fruto dos 105 hectares de vinha de que dispõem.

Aqui, manteve-se a fachada centenária da quinta, e construiu-se uma unidade com 29 quartos e um apartamento, onde tradição e modernidade casaram com comunhão de bens. No restaurante, apostou-se em cozinha tradicional com toque de autor. O chefe Carlos Silva garante que quem vem de fora regressa satisfeito. Quanto às atividades possíveis, em família, a dois ou em grupo, passam por ser “enólogo por um dia”, dando às pessoas a possibilidade de fazer o seu próprio vinho, a partir das castas disponíveis; de participar na vindima ou pisar a uva; ou de plantar novas castas. Se preferir apenas desfrutar, o spa, a piscina exterior e interior, a sauna e o banho turco e as massagens deverão resolver o assunto.

Quinta dos Vales, no Algarve, perto de Lagoa

Portugal é um país pequeno, mas rico em diversidade. Se antes havia regiões clássicas associadas aos vinhos de qualidade (Alentejo, Douro, Dão, Setúbal), hoje mais regiões dão cartas, como Lisboa e Vale do Tejo e até o Algarve. James e Ann Frost possuem um tesouro escondido no Gradil, ao lado da Tapada de Mafra. A Quinta de Sant’Anna, propriedade centenária que o rei D. Luís ofereceu à atriz Rosa Damasceno, por quem se apaixonou, foi comprada em 1969 pela família Furstenberg, que ali viveu e criou os 7 filhos. O 25 de Abril de 1974 levou-os de regresso à Alemanha, e quando em 1992, James Frost — que entretanto se casara com Ann, uma das sete filhas do barão — foi incumbido pelo sogro de vender a propriedade em Portugal, conheceu-a e… rendeu-se. Em vez de se desfazer da quinta, optou por rentabilizá-la. Começaram por recuperar algumas das casas para alugar, e só mais tarde se dedicaram aos vinhos. Pelo caminho, tiveram sete rapazes, replicando a numerologia familiar e permitindo aos filhos correr livremente pelos 40 hectares da propriedade.

Em 2004, o enólogo António Maçanita entrou no projeto e plantou os 11,5 hectares de vinha que produzem, hoje, 60 mil garrafas por ano. Quem optar por aqui pernoitar tem quatro casas para famílias e quatro quartos individuais à escolha. Como atividades, pode meter as mãos na massa e fazer pão de Mafra; usufruir de um piquenique, de um passeio à tapada de Mafra, rico em fauna; ou pintar os seus azulejos. A presença de um chefe em permanência garante aos hóspedes refeições de elevada qualidade, com os produtos da casa à mesa — além dos vinhos, o mel, ou os legumes da horta, onde James ‘insiste’ em perder horas.

Hotel Monverde, em Amarante, na região dos vinhos verdes

Com o clima mais quente do país, no Algarve chega a vindimar-se em julho, conta-nos Michael Stock, o britânico cujo pai comprou, em 2006, a Quinta dos Vales, em Estômbar, uma zona rural perto de Lagoa. Nessa altura, a produção de vinho era caseira, e só depois os 20 hectares de vinha passaram a produzir a sério — atualmente, 150 mil garrafas/ano, com mais de 30 referências, entre brancos, tintos, rosés e licorosos.

Apesar de estarem numa zona mais escondida, no verão estão “sempre esgotados” (têm 22 quartos, e uma vivenda com piscina para seis pessoas), sendo a maioria dos hóspedes estrangeiros. Por enquanto, como atividades têm visitas guiadas, com prova de vinhos, a preços muito simpáticos (€9,90 por pessoa). Também têm o workshop “Bottle blending” (mistura em garrafa), em que os visitantes podem fazer o seu próprio vinho, com a ajuda da enóloga Marta Rosa. Para breve estão pensadas outras inovações, como “fazer a sua própria barrica de vinho, ao longo de um ano”, ou a venda de parcelas de 4000 m2 a particulares que queiram ter um lote de terra com vinha.

Quinta de Sant’Anna, no Gradil

Nos clássicos Douro e Alentejo, difícil mesmo é encontrar vaga — o mundo descobriu o vinho português e chega muito informado, sabendo exatamente o que procura. À multipremiada Quinta Nova da Nossa Senhora do Carmo, no Douro, desembarcam sobretudo “americanos, apreciadores de vinho, conhecedores, dos 35 aos 55 anos”, conta-nos Paula Sousa. Os 11 quartos do enoturismo, existente desde 2005, estão “sempre cheios”. Na Luxury Winery House, os quartos são clássicos e com vista para o Douro. Pode chegar-se de barco, atracando no cais privativo, de comboio, de helicóptero ou de carro. Além das provas de vinho e das refeições no Conceitus, as atividades passam pelo “circuito pedestre de 8 quilómetros, no interior da quinta, que inclui os três pomares romanos onde os hóspedes podem apanhar a fruta que quiserem e levar para casa”. Há também passeios de barco pelo Douro, ou propostas de visitas a trilhos por aldeias históricas ou vinhateiras. “Mas a maior parte das pessoas quer apenas não fazer nada”, garante Paula. Afinal, desfrutar da paisagem é entretém bastante.

Vista do terraço da Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo, no Douro

Quando a família de Rita Soares comprou a Herdade da Malhadinha Nova, em 1998, esta estava “completamente ao abandono”. Os 450 hectares de planície alentejana eram tão belos como áridos. Em 2001, começou a plantar-se a vinha (que hoje soma 55 hectares), em 2003 construiu-se a adega, e ao mesmo tempo abriram-se as portas do enoturismo. Três anos mais tarde, recuperou-se a casa que deu origem ao hotel, com 10 quartos, de luxo assumido, no sentido de providenciar “tempo, conforto e proximidade com a natureza”. Aquele que foi um dos primeiros enoturismos do país continua a apostar em atividades diferentes — vindimas noturnas, pisa a pé, atividades desportivas, de pintura, de escultura, ou que aliam gastronomia e vinho —, mas é o mercado internacional que mais beneficia (70% dos hóspedes são estrangeiros). No restaurante gourmet da quinta, que contou com a assessoria do chefe Joachim Koerper (2 estrelas Michelin), o chefe residente faz uma “cozinha inspirada na tradicional alentejana e todos os produtos à mesa são produzidos na herdade — da vaca alentejana ao porco preto, do azeite e do mel aos legumes oriundos das hortas biológicas”. O vinho à mesa ostenta um ‘bónus’: todos os rótulos do Monte da Peceguina foram desenhados pelos sete filhos da família Soares (e até estão assinados pelos próprios…) Como vê, não é preciso ir a Napa Valley, na Califórnia, ou à Campânia italiana para fazer o seu filme vinícola. Portugal já produz, cada vez mais, os seus ‘Mondovinos’.

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