Acidente geográfico

Uma poro de terra de certa extenso, cercada de gua por todos os lados, salvo por um, por meio do qual se une a uma rea maior de terreno. Mas pode tambm chamar de Luang Prabang. Tecnicamente, esse lugar encantado uma pennsula –cuja descrio emprestei do “Houaiss” para abrir a coluna de hoje. Mas eu precisaria mais do que a definio oficial de um dicionrio para descrever essa cidade.

Tecnicamente tambm, possvel voc andar por toda a parte histrica de Luang Prabang, que fica no Laos, em menos de uma hora. Caminhando voc cobre tudo rapidinho. Mas quem est interessando em fazer alguma coisa com pressa numa cidade como essa?

A melhor maneira de visitar esse pedao de terra –que, s para dar uma ltima informao oficial (prometo), est cercada pelos rio Mekong e Nam Khan– esquecer que nossa vida controlada por um vetor chamado tempo.

A nica obrigao que tive, nas duas vezes que l visitei, foi acordar cedo um dia para ver a cerimnia dos monges com seus robes laranja desfilando pelas ruas principais da cidade colhendo doaes de comida. Numa linha que ao mesmo tempo fluida e rgida, eles riscam a manh de Luang Prabang indiferentes se quem lhes oferece uma poro de arroz –ou um cacho de banana, ou mesmo (tempos modernos) uma barra de cereais– um devoto local ou um fugaz visitante.

De resto, e sempre inspirado por essa viso matinal, Luang Prabang convida a vagar. So mais de 30 templos budistas para serem descobertos: alguns na beira da calada, outros escondidos atrs de simples escolas pblicas. Vistas dos rios –sobretudo do Mekong– de infinitos ngulos. Retratos de uma vida que insiste em ser simples, mesmo com uma recente exploso no turismo internacional. E no estou nem contando aqui os passeios para fora dessa pennsula –ah, a caverna dos mil Budas”

Por isso tudo, discutindo um viagem para l com uma amiga (sim, vou ter o prazer de ir para l pela terceira vez!), empaquei diante da deciso de quantos dias deveramos ficar l. Na primeira vez que visitei estava num pacote de turismo; foram trs dias. Na segunda, estava a trabalho; passei os mesmo trs dias, bem corridos. Mas agora, sem nenhum compromisso, e com essa companheira de viagem que no se apressa por nada (no caso, uma qualidade), no soube dizer quanto deveria durar nossa estadia.

Resolvemos deixar aberto –uma deciso que no apenas convm a um lugar onde o relgio irrelevante, como ecoa uma conversa que tive por l num fim de tarde com um daqueles monges de robe laranja…

O sol j estava caindo nas escadarias do Wat Xieng Thong –o meu templo favorito–, que levam ao Mekong. A luz brilhava sem compromisso nos mosaicos de espelhos coloridos do lado de fora e, como uma apario, esse monge se aproximou para falar comigo –em espanhol! Tinha me ouvido conversar com a equipe e achou que essa era minha lngua. Dei prosa e fui em frente.

Ele estava longe de ser fluente, mas conseguimos conversar o suficiente para eu entender por que ele tinha escolhido o espanhol para aprender –sendo que o ingls talvez o colocasse mais perto dos turistas que inundam a cidade. “Quanto mais bela e estranha a lngua, mais tempo eu vou precisar para me apaixonar por ela”, me explicou ele.

“E o tempo tudo que eu tenho”, completou o monge abrindo os braos –num gesto humilde e generoso, que imediatamente me transportou para uma dimenso bem maior do que me sugeria aquele minsculo acidente geogrfico…

Pin It

Comments are closed.