London? London

Minha primeira vez em Londres correspondeu em tudo imagem clich da cidade: chuva, frio, um cinza permanente na paisagem.

Mas as dcadas foram passando, e minha impresso da cidade tambm. Uns cinco anos mais tarde encontrei a cidade iluminada, ensolarada, salpicada por aquele engraado hbito de, a cada raio de sol surgido do nada, dos gramados brotarem, como cogumelos depois da chuva, corpos esbranquiados estendidos no cho.

Ganhando tons rosados enquanto se esparramam, os londrinos jamais hesitaram em ficar seminus –ou nus, mesmo– naqueles 15 minutos em que, a caminho do trabalho ou das compras, podiam refestelar-se sob ocasionais raios de sol.

O que mudou que esses breves clares ensolarados parecem ter crescido em frequncia e amplitude. Hoje h mais sol em Londres, embora possa ser apenas impresso minha. Nunca mais estive na cidade (aonde tenho ido ao menos uma vez por ano) sem me maravilhar com as cores renovadas pela luz solar. Aquele vermelho esmaecido dos velhos tijolos tingidos pela chuva, que eu conheci no comeo, hoje viram brasa, e tudo ganha cores insuspeitas e vibrantes com o sol de qualquer estao do ano. Sorte minha? Mero acaso? Acho que no.

H uma dcada cheguei casa da escritora de vinhos Jancis Robinson, possivelmente a maior autoridade mundial no assunto, e como de hbito ela me recebeu com uma taa de espumante. Queria que eu provasse, me disse.

No precisei falar muito. Ante minha expresso ao beber, ela logo pegou outra garrafa e, rindo, falou: “Ok, ok, agora vamos ao srio…” E, abrindo um champanhe, me contou que o espumante que me dera foi produzido na Inglaterra! “Veja s o que faz o aquecimento global, at vinhos j estamos produzindo aqui!”

Digamos que os vinhos no so ainda o melhor que a Inglaterra ensolarada produz. Mas algo mais mudou bastante desde que conheci a orgulhosa ilha: a comida.

Nos tempos chuvosos que j se vo longe na minha memria, o gesto de sair para comer fora implicava procurar o melhor paquistans, indiano ou chins das proximidades. E evitar a todo custo qualquer restaurante de comida (ou cozinheiro) ingls.

Quanta coisa mudou. Na minha segunda visita, que aconteceu no limiar dos anos 1990, ainda prestamos homenagem aos franceses que, por sculos, garantiram uma alta gastronomia no pas (como pude, ento, constatar no Le Gavroche).

Mas alm deles, naquela poca o River Caf j trazia o frescor da cozinha mediterrnea e um jovem e ruidoso chef chacoalhava o cenrio gastronmico local: o junkie e iconoclasta Marco Pierre White (naquele momento cozinhando no Harvey’s), uma espcie de anttese dos chefs miditicos, simpticos e bonaches que comeavam a circular nos sales da “nouvelle cuisine” francesa.

White est aposentado das panelas, hoje s faz negcios, pena. Mas desde ento, cada visita a Londres est cheia de surpresas, de novos chefs e de uma cozinha local, que pode ser da velha guarda, mas ressuscitada com glria (como no St. John), at cheia de humor jovem de um The Clove Club, por exemplo.

Fazer listas seria exaustivo (fica para uma prxima) –mas certo que hoje comer bem numa paisagem banhada pelo sol no mais delrio em Londres. uma realidade, e ainda por cima temperada pelo melhor que aquela terra sempre ofereceu: os malucos dos londrinos.

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