Os lugares cantados do Rio de Janeiro

As passagens baratas para o Rio de Janeiro tendem a aumentar o número de turistas brasileiros na antiga capital do país, mas a maioria deles prefere conhecer os cartões-postais cariocas mais famosos, como as praias de Ipanema e Copacabana –cenários de diversas telenovelas–, os arcos da Lapa, o Corcovado ou o Cristo Redentor, uma das sete maravilhas do mundo moderno, todos cantados em centenas de músicas nacionais famosas.

Segundo dados do Observatório do Turismo do Rio de Janeiro, 44% dos visitantes subiram ao Cristo Redentor e 39% passearam pelos bondinhos do Corcovado em 2014. O número de turistas brasileiros na cidade também aumentou durante as duas últimas grandes janelas do calendário nacional, no Carnaval e no Réveillon. Em 2016, por exemplo, quase 1 milhão de brasileiros foram ao Rio para ver os fogos em Copacabana.

Carnaval, Réveillon, Cristo Redentor, Corcovado, são todos lugares-comuns em canções da música brasileira, presentes em Chico Buarque, Caetano Veloso, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, João Gilberto, entre outros.

Para além dos locais famosos do Rio de Janeiro, o Novo Momento preparou uma lista de outros lugares tão cantados quanto os tradicionais e que você provavelmente não colocaria em sua lista de visitas da Cidade Maravilhosa. 

“Um trem para as estrelas” – Cazuza (“Ideologia”, 1988)

Créditos: Alexandre Macieira/Divulgação/Embratur

Vista do Cristo Redentor, um dos cartões-postais do Rio de Janeiro

Quando a organização suíça New Open World Corporation e a Unesco, órgão das Nações Unidas, divulgaram, em 2007, que o Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, era uma das sete maravilhas do mundo moderno, o monumento carioca já aparecia em muitas canções nacionais e internacionais. A bossa nova havia colaborado com “Samba do Avião”, “Corcovado” e “Carta ao Tom”, e a Tropicália tinha se referido a ele em “Olho nu”, de Gilberto Gil, e “Homem Bomba”, de Caetano Veloso.

Porém, no primeiro disco de Cazuza, “Ideologia”, há uma das poucas músicas que se estruturam na existência do Cristo. Construído a 710 metros do nível da cidade, o cantor carioca se refere à estátua como uma referência geográfica aos seus moradores (São 7 horas da manhã/ Vejo Cristo da janela), ao mesmo tempo em que, apesar do seu simbolismo religioso, não pode diminuir a miséria e o sofrimento das pessoas (Estranho o teu Cristo, Rio/ Que olha tão longe, além/ Com os braços sempre abertos/ Mas sem proteger ninguém).

De certa forma, a canção coloca o Cristo Redentor como a entidade divina da cidade, e como a confiança nela – no alto de uma montanha –não altera a realidade das ruas abaixo dela. “O povo é guiado por Cristo, ele é encarregado de dar-lhe o que carecem, mas o povo continua carente. Esse é o questionamento de Cazuza”, explica a crítica musical Márcia Jordana. 

“Meu Rio – Caetano Veloso” (“Noites do Norte”, 2000)

Créditos: RioTur

Fachada do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Apesar de baiano, Caetano Veloso fez sua carreira e morou a maior parte da vida no Rio de Janeiro. Alguns relatos sobre a sua vida contam que, no final dos anos 1950, ele já frequentava o auditório da Rádio Nacional, na Lapa, onde seus ídolos musicais se apresentavam.

Seja como for, há muitas referências implícitas e explícitas à cidade em suas músicas, e algumas delas foram compostas a tendo na imaginação, como “O Estrangeiro”, “Valsa de uma cidade”, “Onde o Rio é mais baiano”, “Baião da Penha” e “Samba de Verão”. Em 2000, no disco “Noites do Norte”, porém, há talvez a canção repleta de lugares da capital fluminense: “Meu Rio”.

Nela, Caetano fala sobre a Favela do Muquiço e os bairros de Quintino Bocaiúva e Maracanã, na zona norte, famosos pelas rodas de samba e pelo estádio das Copas do Mundo de 1950 e 2014, sobre o Teatro Municipal, no centro, e até sobre o Saco de São Francisco, a enseada litorânea de Niterói, cidade da região metropolitana que todo carioca gosta de dizer que é a melhor vista do próprio Rio.

“Pelas tabelas” – Chico Buarque (“Chico Buarque”, 1984)

O Maracanã –o bairro– também é citado por outro compositor clássico da música popular brasileira: Chico Buarque, em “Pelas Tabelas”. Tão cantor do Rio quanto Caetano, apesar de paulista, ele também colaborou para criar a áurea poética da cidade com dezenas de canções que se passam por alguns dos seus lugares.

Em “Vai Passar”, a referência é ao carnaval carioca nas ruas históricas do centro. Em “Estação Derradeira”, ele fala menciona as procissões a São Sebastião pelas ladeiras próximas à Catedral Metropolitana, também na região central. Em “Subúrbio”, Chico lembra de vários bairros periféricos do Rio (Lá não tem brisa/ Não tem verde-azuis/ Não tem frescura nem atrevimento/ Lá não figura no mapa), como Penha, Irajá, Olaria e Vigário Geral.

A letra de “Pelas Tabelas” pode ter várias interpretações, mas a mais comum delas associa o relato da música a um homem apaixonado que procura uma mulher durante uma manifestação pelas “Diretas Já”, cujos protestantes descem as ladeiras do Maracanã em direção ao centro. “É essa confusão do individual com o coletivo, e aponta muito para o individual naquele momento coletivo”, explicou ele ao jornal Folha de S.Paulo nos anos 1990, quando a incluiu em seus shows. Na época que lançou o disco, houve quem associasse o sujeito da música ao presidente João Figueiredo, último do regime militar brasileiro, sendo perseguido pelos cidadãos. 

“1967” – Marcelo D2 (“Eu tiro é onda”, 1998)

Marcelo D2 é outro cantor brasileiro bastante identificado com a capital fluminense. Curiosamente, é um dos poucos cariocas entre os compositores da cidade. Quase todas suas músicas falam sobre algum canto da cidade, mas uma das mais famosas é “1967”, lançada no primeiro disco solo dele.

O nome da música é uma referência ao ano em que nasceu e, em quase todos os versos dela, há o relato de algum lugar do Rio presente na vida de D2. 1967 é, na verdade, uma biografia cantada e, assim, mais uma composição que versa sobre a cidade. Seu nascimento no bairro de São Cristovão, no centro, sua infância em Madureira, na zona norte, os carnavais em Padre Miguel, na zona oeste e as festas de funk em Bangu, cidade da região metropolitana onde até hoje existe o clube citado pelo cantor na música.

Na época da gravação, as favelas cariocas ainda não eram roteiros turísticos, e as citações ao Morro do Andaraí e do Grajaú atiçavam a curiosidade de poucas pessoas, realidade que mudou: hoje diversas comunidades do Rio podem ser conhecidas por meio de agências de viagens.

“Pranto de Poeta” – Cartola (“Verde que te quero rosa”, 1977)

Caetano, Chico e outros compositores costumam falar da Mangueira em suas canções em referência à escola de samba, vencedora de 18 títulos do Grupo Principal do Carnaval carioca, mas em “Pranto de Poeta”, composta por Nelson Cavaquinho e conhecida na voz de Cartola, é o bairro, na zona oeste, que faz o cantor “viver tranquilo”.

A canção dá uma áurea poética e triste ao Morro da Mangueira, um dos primeiros do Brasil, cujas primeiras casas apareceram por volta de 1850. Quase um século depois, ganharia fama internacional com a fundação da escola de samba, a Estação Primeira de Mangueira, referência à parada de trem construída no final do século 19 –hoje Mangueira/ Jamelão, da Linha Deodoro da SuperVia.

O compositor lamenta e comemora ao mesmo tempo em “Pranto de Poeta”, porque, apesar do choro da população do bairro quando um poeta morre, há a alegria de saber que, quando ele falecesse, também haveria prantos por ele. Mais do que isso: a lamúria no Morro da Mangueira se tornava samba e, assim, era um “pranto sem lenço que alegra a gente”.

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