Centro em Berlim mantém vivo legado de Anne Frank

Com auxlio de voluntrios, casa na capital alem ajuda estudantes a conhecerem a histria da adolescente judia, que morreu h 70 anos num campo de concentrao e ficou famosa por seu dirio. Bairro de Mitte, em Berlim: o famoso labirinto de ptios internos dos Hackesche Hfe atrai turistas com suas lojas exclusivas e cantos pitorescos iluminados de forma sugestiva, num ambiente art nouveau perfeitamente restaurado.

Alguns passos adiante, subindo a rua Rosenthaler Strasse em direo ao badalado bairro de Prenzlauer Berg, uma discreta placa ao lado de uma entrada de garagem faz os mais atentos pararem por um momento. Mas a maioria s observa de passagem o ptio cinzento, com ar de repblica de estudantes, paredes grafitadas, dezenas de bicicletas e onde jovens das mais diferentes nacionalidades se acotovelam.

Os estudantes que esto ali hoje vem do municpio de Mhlenbecker Land, Brandemburgo. No so jovens de cidade grande. A professora tenta ganhar a ateno deles, ainda ocupados com os prprios celulares, entre risinhos e cochichos. Uma escada maltratada, rangente, leva ao segundo andar do prdio dos fundos.

No alto, abre-se uma sala de exposies inundada de luz, com muitas fotos nas paredes e umas poucas vitrines. Logo na frente est um cone: a reproduo fiel do dirio que Anne Frank (1929-1945) ganhou de presente ao completar 13 anos, com a capa de tecido xadrez vermelho e branco e a fechadura dourada.

Anne Frank aqui e agora O Centro Anne Frank de Berlim no pretende ser um museu, explica um dos guias, Emre, de 26 anos. Um total de 20 voluntrios, quase todos estudantes, se encarrega de acompanhar as classes de estudantes. A maioria dos que aqui vm tem entre 12 e 16 anos de idade e frequenta o curso extra em Histria ou Alemo, mas h tambm alunos do estudo fundamental. Afinal, o centro conta com 30 mil visitantes por ano, muitos deles do exterior. “Quando vocs ouvem o nome Anne Frank, o que que vem cabea?”, pergunta Emre.

“Pode ser em relao pessoa, ou poca em que ela viveu.” Todos escrevem avidamente as fichas que receberam.

O guia observa com olhar paciente como a agitao vai gradativamente amainando. E faz um resumo dos conceitos lanados: a maioria escreveu “dirio”, outros, que ela era judia, que teve de se esconder, ou que foi perseguida. E vem a segunda pergunta: “Vocs tm coisas que sempre quiseram saber sobre este assunto?”

A reao vem imediata: “Por que Hitler detestava os judeus?”, “Como teria sido a vida de Anne no campo de concentrao, se ela tivesse sobrevivido?” Emre responde com habilidade s questes difceis e vai sutilmente guiando os adolescentes pela histria adentro.

“Vocs acham que existem outros dirios de adolescentes da poca?” Todos olham com espanto quando ele lista a quantidade de dirios escritos durante o nazismo.

“Anne no foi a nica. Ento, por que o dirio dela ter ficado to famoso?” Ningum sabe a resposta, mas todos esto agora envolvidos no tema. Interesse universal O crculo de bancos de feltro vermelho se desfaz, a classe se divide em grupos menores, com tarefas especficas, ao longo da sala comprida, organizada como uma linha de tempo, de 1933 a 1945.

esquerda est a histria pessoal dos Frank, o quotidiano em Frankfurt, a fuga para a Holanda.

direita, o mundo poltico paralelo, fatos que vo das primeiras perseguies aos judeus na Alemanha nazista at os horrores dos campos de concentrao.

Os escolares se aprofundam, discutindo animadamente, no mundo de imagens interpolado de pginas do dirio. Anne brincando na caixa de areia em 1937; na praia com a irm maior, Margot; com sua classe na escola montessoriana.

Mais ao fundo, esto as fotos do apertado esconderijo, numa casa dos fundos em Amsterd, onde ela e famlia passaram dois anos, at serem denunciados.

“Angustia-me, mais do que posso dizer, que a gente nunca possa sair, e tenho grande medo de sermos descobertos e a fuzilados”, l-se na parede a entrada no dirio de 28 de setembro de 1942. A concepo da mostra funciona imediatamente: os alunos no tiram os olhos dos painis de fotografias, ningum est mais fazendo brincadeiras.

A Casa de Anne Frank de Amsterd, organizao parceira do centro berlinense, desenvolveu essa linha cronolgica como uma caixa de tesouro cientfica, no como processamento museolgico da histria.

Atualmente h centros Anne Frank por todo o mundo, em Londres, Basileia (Sua) e Nova York.

A biografia da menina judia conquista seu pblico por toda parte, em todas as faixas etrias, no importa em que idioma. Mensagem recebida “Eu vou te confiar tudo, espero, como nunca pude contar a ningum”, l-se na entrada de 12 de junho de 1942.

So frases que oscilam entre coragem e desespero, que preservaram os desejos e pensamentos mais ntimos, e que comovem at hoje. O dirio sobreviveu, a prpria Anne, no? aprendem os visitantes adolescentes. Pouco depois da irm mais velha, ela sucumbiu ao tifo no campo de concentrao de Bergen-Belsen, duas semanas antes da libertao pelas Foras Aliadas.

“Vocs precisam imaginar que ela no podia tomar nem um banho de chuveiro, no tinha sapatos.

No campo no havia nada para comer, a no ser po duro como pedra e uma sopa aguada.” Silncio. Todos miram Emre por um momento, chocados.

Com imagens definidas, ele procura faz-los visualizar a brutal realidade da vida das crianas judias da poca. “Ela com certeza no queria morrer assim”, comenta baixinho uma das meninas companheira do lado. sada, um mural com pequenas notas quadradas atrai o olhar: “Todo o respeito por voc, Anne”, l-se numa delas. “Parem com guerras. Anne Frank vive.

Nunca a equeceremos”, escreve Miguel, do Panam. ” sempre mais fcil amar do que odiar”, afirma uma menina da Polnia. So palavras de admirao, reconhecimento, contra a guerra e o dio, em favor do amor. As mensagens transmitidas em Berlim chegaram a seus destinatrios: Anne Frank, uma jovem que at hoje estimula os outros coragem.

“Ns vivemos todos com a meta de sermos felizes, vivemos todos diferente, mas, na verdade, igual”, anotou ela em 6 de julho de 1944, em seu pequeno dirio quadriculado. Ainda bem que ele foi preservado para a posteridade.

Pin It

Comments are closed.