por Paulo Celso Pereira
Conhecida como uma das cidades mais frias do país, que sempre teve como principal atrativo turístico a possibilidade de se ver neve em alguns dias de inverno, São Joaquim está mudando. Há 16 anos, um empresário de Criciúma resolveu apostar que a amplitude térmica e o solo pedregoso, aliados à altitude de cerca de 1.300m, permitiriam produzir ali vinhos de boa qualidade. O plantio das primeiras parreiras ocorreu em 2001, e Dilor Freitas, dono de uma das maiores empresas de cerâmica do país, conseguiu colher a primeira safra em 2004. Apesar de ter deixado o projeto encaminhado, faleceu antes de ver inaugurada a Villa Francioni, a primeira e até hoje mais afamada e bem estruturada vinícola da região. Mas ela já não está só. Atualmente, quatorze outras vinícolas estão instaladas na Serra Catarinense, várias delas abertas à visitação.
A Villa Francioni, com seu suntuoso edifício sede de seis pavimentos, é a principal atração. Dele, avistam-se os amplos parreirais, protegidos por uma tela branca que impede que o granizo condene a safra de uvas. Dentro, o visitante acompanha passo a passo as etapas de produção. Durante a colheita, entre fevereiro e abril, é possível ver o local a pleno vapor. E mesmo no inverno, principal estação para o turismo na cidade, o visitante consegue acompanhar de perto o manejo industrial do vinho, como a troca de tanques e o engarrafamento.
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— Lançamos os primeiros vinhos e abrimos a vinícola ao público em dezembro de 2005, com sauvignon blanc, chardonnay e rosé. O primeiro tinto, Joaquim, foi em 2006. Hoje temos 17 rótulos, a partir de oito uvas tintas (malbec, cabernet sauvignon, cabernet franc, merlot, syrah, pinot noir, petit verdot e a italiana sangiovese) e três brancas (chardonnay, sauvignon blanc e semillion) — diz Daniela Freitas, filha do fundador e presidente do conselho de administração da Francioni, que recebeu 40 mil visitantes ano passado.
Após a instalação da Villa, outras vinícolas pipocaram no entorno. Assim, em um trecho de menos de 5km da rodovia SC-114, a cerca de dez minutos do centro de São Joaquim, formou-se um núcleo invejável de produtores.
CINCO VINÍCOLAS EM DOIS DIAS
Ali é possível conhecer, em um ou dois dias, cinco casas diferentes, cada uma com sua particularidade: além da Francioni, as vinícolas D’Alture, Monte Agudo, Leone di Venezia e Villaggio Bassetti.
A D’Alture, quase em frente à Francioni, é comandada por uma família boliviana que mantinha vinhedos em Tarija, no sul do país, próximo à fronteira com a Argentina. Juan Carlos Chavez Soto, administrador do local e irmão do dono, recebe os visitantes. Nas três últimas décadas, rodou o mundo. No início deste ano veio, a convite do irmão, o engenheiro Roberto Chavez Soto, tocar a vinícola na Serra Catarinense. Roberto conheceu há oito anos os vinhedos Terras Altas e, notando a semelhança com o terreno de Tarija, os comprou.

— Nossos avós trabalharam com vinho, vivemos sempre no ambiente do vinho. Ele comprou os vinhedos há oito anos e aos poucos foi construindo a vinícola, investindo o que tinha — explica Juan Carlos.
Na D’Alture, a expectativa é que na próxima vindima, em março, 60% da estrutura física da vinícola esteja pronta. Apesar das obras ainda aparentes, quem visita hoje o local já consegue ver os tanques e barricas, além das garrafas aguardando envelhecimento ainda sem rótulo, e fazer uma degustação.
O restaurante e o terraço devem estar prontos nesta vindima, e o projeto é que até 2019 o local abrigue ainda sala de convenções, hotel com 21 suítes, uma tirolesa e até uma pequena igreja. Apesar disso, Juan Carlos nega que a intenção seja montar uma estrutura turística grande, como a da Francioni.
— Nossa degustação sempre será familiar. É uma conversa falando um pouco da história dos vinhos, da vida, com toda sensibilidade.
O caráter familiar marca as vinícolas de São Joaquim. Pouco depois da D’Alture, está a Monte Agudo, comandada pelas irmãs Patrícia e Carolina Ferraz. A primeiras parreiras da vinícola foram plantadas em 2005. A primeira safra foi engarrafada em 2008, e a partir de 2012 a família começou a promover piqueniques no meio dos vinhedos. Foi um sucesso, e o enoturismo se tornou uma das principais atividades da empresa.
DEGUSTAÇÕES AO PÔR DO SOL
Hoje, a face mais chamativa da Monte Agudo é justamente um restaurante construído no alto de um morro, cercado por um pequeno lago e por parreirais. O local só recebe clientes mediante reserva, tanto para almoços e jantares harmonizados com vinhos da casa, como para participar do chamado sunset, degustação ao pôr do sol, que também é feita na D’Alture.
Embora durante a vindima seja possível acompanhar a colheita das uvas, a Monte Agudo faz a vinificação em uma empresa na cidade de Videira, a 270km dali, o que impede o turista de observar o processo de produção.

Ao lado da Monte Agudo, está a Leone di Venezia. Doze anos atrás, ao se aposentar, o agrônomo Saul Bianco decidiu retomar uma tradição da família italiana, que sempre produziu vinho. Matriculou-se em um curso de enologia em uma cidade próxima a Veneza e lá ficou por um ano. Em 2007, comprou a área da vinícola e no ano seguinte plantou as primeiras parreiras. As uvas de origem italiana, em vez das que têm origem francesa, predominantes nas vinícolas da região, são o diferencial da propriedade, conta Bianco:
— Deu um pouco de trabalho, e ainda está dando, porque algumas não funcionaram. Mas essa pesquisa agrícola permitiu selecionar as que se adaptaram muito bem na Serra Catarinense. Das 26 variedades originais, hoje estou com 12 uvas. Cinco delas se adaptaram muito bem, e nós já fazemos varietais: os tintos sangiovese, montepulciano e refosco dal peduncolo rosso e os brancos gewustraminer e garganega.
PIQUENIQUES NO PARREIRAL
Apesar de a primeira vinificação na Leone di Venezia ter ocorrido há apenas três anos, a estrutura da vinícola já é avançada. Este ano foram produzidas 15 mil garrafas, e a ambição de Bianco é chegar a 25 mil na próxima safra.
A estrutura física do local é interessante. O prédio principal é inspirado em uma construção do arquiteto italiano Andrea Palladio, do século XVI, e hoje abriga, além de todo o maquinário e das barricas, uma estrutura de restaurante e hotelaria com quatro quartos. Eles serão reabertos em meados de fevereiro, quando se inicia a colheita. Elas estarão funcionando até o fim de abril, para que o turista possa acompanhar de dentro da vinícola o período de vindima.
A Leone di Venezia voltou a fazer almoço e jantar harmonizado, com agendamento, quase todo fim de semana. Em breve, deve oferecer pacotes segmentados com degustação, hospedagem, visitas técnicas e piquenique entre as parreiras:
— Se a cidade tivesse um fluxo de turismo o ano todo, seria mais fácil. Em março, na festa da vindima, abrimos o restaurante e, além das degustações, organizamos piqueniques no parreiral.
BENTO GONÇALVES SERVE DE INSPIRAÇÃO
A última vinícola da rota da SC-114 é a Villagio Bassetti. Com vários rótulos elogiados pela crítica especializada, ela começou a plantar seus primeiros parreirais de cabernet sauvignon e merlot em 2005 e, em 2008, colheu sua primeira safra. Dono de uma editora focada em títulos sobre regiões turísticas, o engenheiro Eduardo Bassetti se encantou com a produção vinícola ao visitar o Vale dos Vinhedos, no Rio Grande do Sul.
— Fiquei encantado com a forma como eles vivem em torno de um produto, com o qual têm uma relação quase religiosa. Então pensei que precisava ter um cantinho para fazer um vinho especial. Estudei cinco anos e comprei a propriedade em 2005.

Hoje, 50% da produção ainda é vendida na vinícola, mas o comércio on-line cresce. E uma novidade que está sendo implementada na Villagio Bassetti é o cicloenoturismo, muito comum em outras regiões vinícolas pelo mundo. Os turistas passeiam de bicicleta por cerca de 40 minutos na propriedade e encerram a visita com uma degustação. O cenário das montanhas é convidativo.
— Uma das coisas que atrai na Serra Catarinense é a paisagem. Saímos de um litoral lindo, passamos por águas termais, subimos uma serra muito bonita e chegamos aos campos de altitude. A interferência dos vinhedos está fazendo uma modificação positiva na paisagem — explica Bassetti.
Contudo, apesar da sofisticação que cerca o enoturismo, São Joaquim tem rede hoteleira modesta e poucas opções boas de gastronomia. O restaurante mais prestigiado da cidade é o Pequeno Bosque. Além dele, apenas o da vinícola Monte Agudo se destaca por alguma sofisticação. Há duas hamburguerias novas e boas, mas a oferta não vai muito além disso.
ESTRUTURA INCIPIENTE
Em termos hoteleiros, o São Joaquim Park Hotel é o mais famoso meio de hospedagem da cidade. Mas é evidente a necessidade de renovação das camas e dos quartos.
O transporte para o enoturismo é precário, e a alternativa mais óbvia para grupos em que todos queiram beber acaba sendo usar os táxis da cidade, ainda que eles não estejam familiarizados com o circuito de vinícolas.
No mês de julho, foi possível fechar um pacote com um taxista para levar e buscar um pequeno grupo às cinco vinícolas próximas à cidade, num período de aproximadamente sete horas, por cerca de R$ 150. Algumas operadoras de turismo começam a oferecer passeios ao conjunto de vinhedos, mas sem grande divulgação.
SERVIÇO
Onde ficar
BOM JARDIM DA SERRA
Rio do Rastro Eco Resort. Diárias a R$ 999. SC-438, Km 130. riodorastro.com.br
Hotel Fazenda Rota dos Cânions. Diárias a R$ 580. Rodovia SC-390, Km 395. Site: hotelfazendarotadoscanions.com.br
URUBICI
Pousada Rural Cascata do Avencal. Diárias a R$ 180.
Site: pousadacascatadoavencal.com.br
SÃO JOAQUIM
São Joaquim Park Hotel. Diárias a R$ 280. Tel. (49) 3233-1444. saojoaquimparkhotel.com.br
Passeios
Em Bom Jardim da Serra, o receptivo Tribo da Serra (facebook.com/ tribodaserraeco) conta com guias experientes e três carros 4×4 para passeios como o Cânion do Funil, Cânion das Laranjeiras. Oferece cavalgada ao pico do Cânion da Ronda, trilha até a Cachoeira do Puma Solitário e visita noturna a Serra do Rio do Rastro. Em Urubici, o passeio de um dia inclui Morro da Igreja, cachoeiras Véu de Noiva e Avencal. Em todos, os carros chegam aos locais. Os preços variam de acordo com o tamanho do grupo.
URUBICI
Cachoeira Véu de Noiva. Ingresso: R$ 10. No restaurante, a truta a serrana sai a R$ 40. Morro da Igreja.
Cachoeira do Avencal. Ingresso: R$ 7. Passeio a cavalo: R$ 35. Pedalinho: R$ 30. Arco e flecha: R$ 30. Rapel: R$ 240.
BOM JARDIM DA SERRA
Cânion das Laranjeiras. Ingresso: R$ 10.
Cânion da Ronda. Ingresso: R$ 10.
SÃO JOAQUIM
Casa do Vinho. Rua Ismael Nunes 7. casadovinho.net.
Enoturismo. Villagio Bassetti, visita com degustação: R$ 40. villaggiobassetti.com.br.
Outras informações sobre as vinícolas: bit.ly/2BtNMdW.
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