Na sombra fria da Caverna 98, Li Lingzhi acompanhou a inspeo de afrescos budistas -encomendados h mais de mil anos por uma famlia reinante- de uma gruta localizada em um penhasco no deserto de Gobi. A restaurao da caverna levou dez anos. Andaimes metlicos ainda cercavam um Buda sentado de trs andares, com vestes laranja.
“Aps a inspeo de especialistas, vamos discutir quando poderemos abri-las ao pblico”, disse Li, que trabalha em conservao de antiguidades para a Academia de Pesquisa de Dunhuang, que administra as cavernas de Mogao para o governo de Pequim desde 1944. “Estamos monitorando a umidade e a temperatura desta caverna.”
A preservao dessas pequenas e centenrias cavernas um trabalho delicado. Quase 500 delas constituem uma cpsula do tempo da arte ao longo da Rota da Seda e esto entre os maiores tesouros budistas.
H esttuas, figurinhas e afrescos de Buda com cabelos crespos e nariz pontiagudo, um estilo comum na arte antiga da sia central. Tambm h bodisatvas [seres iluminados] em estilo tibetano com mil braos, desenhados na poca do reino mongol, e discpulos usando dhotis [espcie de cala-saia] indianos. O mais antigo data de 1.600 anos.
A rea foi designada Patrimnio Mundial pela ONU. No entanto, as ameaas da era moderna arte so muitas: tempestades de areia, chuvas, ladres de tmulos e arquelogos estrangeiros saqueadores. Alm disso, os pesquisadores hoje advertem sobre uma ameaa ainda maior: hordas de turistas.
Autoridades da provncia de Gansu e uma empresa de Pequim traaram planos para um parque temtico que conecta as cavernas a uma rea separada com falsos templos, aldeias folclricas e barracas de suvenires.
“Esperamos que essa ideia no se torne realidade”, disse Fan Jinshi, 76, que trabalha na Academia desde 1963 e a dirigiu durante 17 anos. “As cavernas de Mogao so insubstituveis e no renovveis. No apenas elas tm de ser respeitadas, como a atmosfera ao redor delas tambm deve ser protegida.”
He Shuzhong, fundador do Centro de Proteo do Patrimnio Cultural em Pequim, manifestou sua preocupao em um ensaio na “Revista do Patrimnio Mundial”, uma publicao do Ministrio das Relaes Exteriores da China. “Durante 20 anos, a cidade nunca parou de tentar explorar as cavernas por dinheiro”, disse He em uma entrevista. “O plano destruiria o entorno das cavernas.”
Est prevista a construo de uma “Aldeia da Rota da Seda” entre as cavernas e as dunas com hotis, shopping centers, teatros e restaurantes. Em 2017, segundo o plano, a principal zona turstica atrair mais de 2,13 milhes de turistas por ano, com receitas de 496 milhes de renminbi, ou US$ 80 milhes. At 2020, a receita deve crescer para US$ 123 milhes.
O nmero de turistas j provoca ansiedade na Academia. Depois de 1979, quando as cavernas foram abertas ao pblico, 10 mil ou 20 mil pessoas as visitavam por ano. Porm, nos ltimos anos, as multides atingiram s vezes esse nmero em um nico dia.
Um plano criado para controlar o turismo incluiu a construo de um novo centro de visitantes a cerca de 15 quilmetros ao norte das cavernas. L, as pessoas assistem a filmes de 20 minutos sobre as cavernas e depois guias conduzem grupos de 25 em rodzios, com um limite de 6.000 visitantes por dia. Cerca de 810 mil visitantes estiveram l no ano passado.
“Se houver turistas demais, as condies atuais vo piorar”, disse Fan. “Se desenvolvermos s a indstria de turismo e sacrificarmos a proteo s relquias culturais, os lucros acabaro rapidamente.”