Turismo de massas e gentrificação assustam moradores de Lisboa

Em 2014, Lisboa foi a cidade europeia que registou um maior crescimento turístico – 15,4% face a 2013. No ano passado, a cidade atingiu os 11,53 milhões de dormidas, segundo dados da Associação de Turismo de Lisboa (ATL).

Só no primeiro mês do corrente ano, e de acordo com os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), registaram-se dois milhões de dormidas, o que representa um acréscimo de 13,4% face a 2014. Para 2015, está ainda prevista a inauguração de 20 novos hotéis com capacidade para 1600 novos quartos.

Se, à partida, o crescimento turístico seria motivo de satisfação, mediante a expetativa de um aumento de receitas e o seu impacto na recuperação da economia do país, certo é que a ausência de planeamento, a deficiente regulação do setor e a priorização dos interesses dos grandes negócios em detrimento dos direitos dos residentes têm tido consequências devastadores.

Aumento dos preços do arrendamento, motivado pela procura de alojamento temporário, a par de uma constante pressão no sentido de afastar os moradores das suas casas, problemas de higiene, ruído, segurança, mobilidade e estacionamento, substituição das lojas, cafés e restaurantes tradicionais por estabelecimentos comerciais que visam satisfazer as necessidades dos turistas. Estas são algumas das queixas mais frequentes por parte dos moradores, principalmente aqueles que ainda habitam nos bairros históricos da capital.

“Lisboa está na moda e isto é muito negativo para os moradores, pois coloca em causa a sua qualidade de vida pelos problemas de ruído, segurança, mobilidade e estacionamento, higiene e salubridade urbana”, afirma Luís Paisana, presidente da Associação de Moradores do Bairro Alto (AMBA), em declarações ao jornal Público.

“Se o aumento do turismo tem descaracterizado a cidade, a culpa não é de quem visita, mas da forma como se gere este turismo”, avança, por sua vez, Tomás Berger, da área dos arrendamentos de curto-prazo, que sublinha que este fenómeno se deve ao facto de a gestão camarária estar a criar e a promover zonas especificamente para turistas.

Sobre o impacto no mercado de arrendamento e no comércio deste turismo de massas descontrolado, o investigador do Centro de Estudos Geográficos da Universidade de Lisboa (CEG-UL) Luís Mendes refere que há “um fenómeno cada vez mais intenso a afectar o parque imobiliário do centro histórico lisboeta, sobretudo nos últimos cinco anos, com a proliferação de hostels e outras formas de alojamento turístico, pondo mesmo em risco a função residencial sobretudo da população autóctone que já habita nesses bairros há várias décadas”.

“Desde o início deste século que a política de reabilitação urbana da Câmara Municipal de Lisboa (CML) tem ganho um pendor claramente neoliberal, esvaziando a habitação do seu estatuto de direito para ganhar o de mercadoria”, sublinha o investigador, defendendo que “ao invés, a CML devia assumir um papel regulador e estabilizador do mercado imobiliário, que continua a seguir ao sabor dos grupos mais privilegiados, menosprezando os direitos da população”.

Turismo de massas afasta habitantes das suas cidades

Num artigo de opinião publicado no jornal inglês The Guardian, a vencedora das eleições municipais em Barcelona, Ada Colau, que encabeçou a candidatura Barcelona en Común, apoiada pelo Podemos, fala sobre o impacto do turismo de massas e do fenómeno da gentrificação em Barcelona.

Qualquer cidade que se sacrifique sobre o altar do turismo de massas será abandonada pelos seus habitantes quando estes já não puderem arcar com o custo da habitação, alimentos e necessidades diárias básicas”, frisa.

Lembrando que Barcelona, uma cidade de 2 milhões de habitantes, hospedava 7,5 milhões de turistas em 2014, a vencedora das municipais refere que o turismo está a afetar “não apenas a qualidade de vida dos residentes, mas a sua própria capacidade de viver na área”.

“É paradoxal, mas o turismo de massa descontrolado acaba por destruir as mesmas coisas que fizeram uma cidade atraente para os visitantes, em primeiro lugar: a atmosfera única da cultura local”, vinca.

Para Ada Colau, “a resposta é não atacar o turismo”. “Em vez disso, é necessário regular o setor, regressar às tradições do planeamento urbano local, e colocar os direitos dos residentes antes dos interesses dos grandes negócios”, defende.