Ser negro e viajar é encarnar a dimensão completa do ‘outsider’

As diferentes iniciativas englobadas nos Estados Unidos sob o guarda-chuva do “movimento de viagem negra” tocam em um ponto chave da experincia de vida dos negros dentro e fora dos seus lugares de origem: a chamada “dupla conscincia”, conceito desenvolvido pelo fundamental William Du Bois (1868-1963), historiador e autor negro norte-americano.

Deriva em estar intrinsecamente atenta no s a si mesma, mas tambm (s vezes, principalmente) ao olhar e reao do outro. Como mulher negra que viaja muitas vezes sozinha, j fui “confundida” com uma prostituta em um caf de Amsterd, por turistas alemes que –prevendo um festim supostamente assegurado –se aproximaram em grupo e entre risos, me convidando para sair.

J fui olhada com cara feia por carecas no metr de Londres. Apontada por crianas curiosas em Buenos Aires. Tratada com genuna simpatia em Cochin (sudoeste da ndia), onde a pergunta mais comum era de qual lugar da frica eu vinha –algo como ser a “vizinha da casa ao lado” para eles.

E, mesmo morando h 10 anos no Uruguai, ainda causo curiosidade nos pontos tursticos, apesar de o pas ter uma populao negra culturalmente vibrante.

Quem sai sente. Ser negro e viajar pelo mundo encarnar a dimenso completa do “outsider”. Da espera pelo avio fila do restaurante. ser um termmetro das tenses raciais dos lugares por onde passa, de como cada sociedade lida com o que considera “o outro”, a “diferena”.

A opo dos norte-americanos negros de viajar em grupos no casual. Tem muito a ver com a noo de segurana e autoproteo. De se organizarem para estar menos sujeitos a atos de racismo que podem variar de coisas “bobas”, como descortesias, a violncias explcitas.

Nunca senti medo de viajar por ser negra, mas compreensvel que muita gente sinta. E, ao viajar em bloco, ser “o elemento surpresa” pelo menos fica mais divertido.