Os argentinos estão chegando

Como filho de pai argentino e me brasileira, sempre me interessou a estranha dinmica do fluxo de turistas entre os dois pases. Se voc adicionar conta uma rivalidade regional que beira a demncia, no deve haver nada parecido no mundo.

Entre os anos 80 e 90, viajar para a Argentina era como embarcar para os Estados Unidos. Buenos Aires reluzia em prosperidade e vitrines repletas de produtos que ainda no conhecamos. Tudo era ridiculamente caro –o refrigerante custava o preo de uma boa refeio no Brasil– e uma ida ao supermercado era explorar continentes desconhecidos. Em contrapartida, apartamentos em Canasvieiras, ilha de Florianpolis, eram comprados por argentinos como automveis usados. Na praia de Cachoeira do Bom Jesus, um vendedor de jornais gritava “‘Clarn’, ‘La Nacin’!” na beira do mar e no apenas uma padaria se transformou em panaderia. Falava-se portunhol, cobrava-se em dlar.

Lembro que as brasileiras viam os sofisticados gringos do sul como prncipes louros. E as mulheres argentinas eram para ns modelos de beleza europeia e distante. Nessa troca, constato melanclico, os argentinos sempre se deram melhor –independentemente da cotao cambial. A alardeada vantagem futebolstica da camisa verde e amarela compensa o revs? Jamais.

Em perodos de bonana sem slidos fundamentos econmicos, que em economias latino-americanas costumam surgir e desaparecer com rapidez sobrenatural, a capital portenha assume todo o seu espetacular pendor para o excesso e a opulncia. At que voltem a pegar em panelas e gritar pela janela de automveis encardidos, os argentinos ganham a pose de lordes que sempre lhes vestiu to bem. Esbanjam suas posses e o crdito farto, em casa ou no vizinho tropical. Numa dessas, levaram o “Abaporu” da Tarsila, hoje pendurado no Malba como um trofu.

Mas sempre haver uma maxidesvalorizao no caminho. quando vemos com clareza o que iguala argentinos e brasileiros, alm do recalque irracional que nutrem uns pelos outros: todos gastamos muito. E a somos ns que lhes invadimos, com igual sanha predatria, vestindo tnis de corrida e pochetes na cintura, entupindo sacolas de compras na Calle Florida, inflacionando o preo dos restaurantes em Palermo e pensando em comprar aquele apartamento no predinho simptico em Villa Crespo. Sem falar do Tvez em 2004.

At nisso uma rivalidade estpida e irreconcilivel prevalece: um gosta de esbanjar riqueza na cara do outro. E, em silncio, comemora a decadncia do antagonista.

Seria interessante para a construo de qualquer possibilidade de dilogo que os dois gigantes conhecessem simultaneamente uma poca de crise ou prosperidade, mas a impresso a de que existe uma gangorra entre estes dois pases. Ou que somos primos que apenas se visitam quando um est falido e o outro rico.

Agora, por exemplo, num momento em que nossa renda est em queda, inflao em alta e o real caminha rumo depreciao, os argentinos afundados na crise, sob controle cambial e num dlar blue de 13 por 1 tm uma eleio presidencial em outubro de 2015 com tendncia de vitria da oposio. Para 2016, de se esperar novo pacote econmico, reverso de tendncia e mudanas na moeda. Estaro chegando, de novo, os argentinos?