O lugar é belíssimo, agreste, com visão de 360 graus que abarca as montanhas e os verdes vales da região. Ali, 16 quilômetros à esquerda da BR-282, no interior de Campo Belo do Sul, na Serra catarinense, a vinícola Abreu Garcia começa a encher, neste final de verão, as garrafas que vão fazer a alegria de bebedores de paladar exigente e conhecedores dos vinhos e espumantes de altitude produzidos no Estado. A vinícola fica quase mil metros acima do nível do mar, num local pouco habitado conhecido como Alto Travessão.
Este ano, a vindima – evento que marca o início da colheita das uvas – não ocorreu num local só, mas diluiu-se em vinícolas espalhadas na ampla área da vai de São Joaquim a Água Doce. É uma boa ocasião para reunir os proprietários, amigos, especialistas e convidados, porque é preciso mostrar as parreiras, o processo de fabricação, as características de cada variedade, e também como o enoturismo se tornou um bom negócio nesta parte do Estado.
A Abreu Garcia é pequena na comparação com as vinícolas tradicionais (colheu 70 toneladas de uva e produziu 400 mil garrafas de vinhos e espumantes na safra passada), mas não costuma ter estoques – a produção é totalmente comercializada dentro e fora de Santa Catarina. As visitas contemplam os parreirais, a cantina, o laboratório, a capela e o sítio arqueológico, além de degustações e da harmonização com boa comida. A safra deste ano é de alta qualidade, de acordo com o Jean Pierre Rosier, um dos enólogos da vinícola, por causa de “índices de maturação raramente verificados”.
Em dez hectares de uma propriedade que começou com a criação de gado pelo oftalmologista Ernani Luiz Garcia, as uvas resultam em garrafas de malbec, cabernet, merlot, pinot noir – este, responsável por quase 25% da produção – e espumantes. Mesmo perdendo com a entrada, muitas vezes por contrabando, do produto chileno e argentino, e pagando 57% de impostos, os vinhos de altitude de Santa Catarina conquistaram seu espaço no mercado nacional. “Já joguei fora três mil garrafas porque a qualidade do lote não era boa”, conta Ernani, denunciando o nível de exigência com o produto destinado ao varejo.
Lugar mágico com vestígios do passado
Nascido em Biguaçu e com clínica em Florianópolis, Ernani Garcia adquiriu terras na Serra para driblar o estresse da profissão e da cidade grande. Com ajuda de técnicos do curso de agronomia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), fez o manejo rotacional e soube que o sol abundante e o clima seco recomendavam uma experiência com vinhedos. Assim, a partir de 2006, juntou duas vocações dos campos elevados da região e passou a trabalhar com uma combinação perfeita – “carne nobre e vinho fino”, como ele próprio destaca.
No auge da colheita, é possível processar dois mil quilos de uva por dia, num ritual que é ao mesmo tempo artesanal e tecnológico, pelo volume manipulado e em vista da sofisticação dos equipamentos utilizados na vinificação. Contudo, o ambiente a meticulosidade do trabalho são fundamentais. “Um bom produto depende da delicadeza dos taninos e da jovialidade do vinho”, explica Ernani, que já teve seus cabernet, merlot e chardonnay premiados em concursos nacionais e internacionais.
A Abreu Garcia tem como atração extra um sítio arqueológico na parte mais alta da propriedade que contém remanescentes de um danceiro indígena de 42 metros de diâmetro onde foram encontrados resquícios de ossadas datadas dos séculos 13 a 17. Outro diferencial é uma capela construída de pedra e madeira e localizada no mesmo platô onde já foram feitos batizados, casamentos e ensaios fotográficos. A Abreu Garcia também dispõe de uma loja com espaço gourmet na Capital, na rua Alves de Brito, 209.