No gabinete formal da Direcção Regional do Turismo dos Açores, João Carlos Bettencourt recebe o PÚBLICO sem gravata, com a liberdade açoriana a marcar a conversa. Admite que este é um momento importante para as nove ilhas da Região Autónoma, o tempo em que se colocam novos desafios ao ambiente e à população, com a chegada de mais turistas e empresários à procura de negócios.
PÚBLICO: Os Açores estão preparados para este aumento do fluxo turístico?
João Carlos Bettencourt: É uma nova realidade, e temos tido taxas de ocupação bastante elevadas. Em São Miguel, em particular, com a chegada das low cost, dispararam a partir de Abril [segundo a Associação da Hotelaria de Portugal, os Açores obtiveram a maior subida de taxas de ocupação por quarto do país no primeiro quadrimestre do ano, equivalentes a 40,24%, mais 8,08% que no período homólogo de 2014]. Mas da parte do Governo Regional foram criadas infra-estruturas que fizeram com que o sector do turismo crescesse gradualmente. No campo privado, foram feitos investimentos, nomeadamente na hotelaria e na animação turística, que dotam os Açores de uma grande oferta.
É uma nova realidade para todas as ilhas, ou apenas para São Miguel?
É claro que São Miguel lida directamente com a realidade das low cost e, portanto, sente de imediato esse impacto. Mas a nossa expectativa é que haja aqui um efeito multiplicador, ou seja, que os turistas que viajam para São Miguel passem também a visitar as restantes ilhas.
Sendo que o encaminhamento inter-ilhas é assegurado de forma gratuita pela SATA…
Sim. Mesmo vindo numa low cost que aterra em Ponta Delgada, pode-se escolher como destino final outra ilha e não se paga mais por isso. É uma medida governamental, faz parte das obrigações de serviço público em vigor nos Açores. E também temos aqui outro fenómeno: face à concorrência, as companhias de bandeira [a SATA e a TAP] têm baixado bastante as tarifas aplicadas.
Quais são as medidas prioritárias do Governo Regional num momento como este?
Estamos na fase final da elaboração do Plano Estratégico e de Marketing para o Turismo dos Açores com o Horizonte 2020. Pretendemos perceber se estamos a caminhar no bom sentido e se temos de fazer correcções no percurso dos últimos anos. Também já estamos a avançar com a revisão do Plano de Ordenamento Turístico da Região Autónoma dos Açores, onde vamos definir os factores que podem ser potenciados para melhorar o desenvolvimento de um sector cada vez mais importante para a economia regional. Portanto, vem tudo coincidir com este ano de 2015, que é um ano, não digo histórico, mas muito importante para o desenvolvimento do turismo.
Se há um crescimento turístico associado ao património natural, levanta-se também a questão da preservação do ambiente.
Os Açores estão preparados para isso. Uma das premissas que este governo tem é que a sustentabilidade está sempre em primeiro plano. Desde 2008, foi criada uma figura que é o parque natural de ilha, que existe nas nove ilhas e são áreas que carecem de medidas preventivas. É um trabalho constante para preservar o património, que diz respeito à nossa bio e geodiversidade. Portanto, há regulamentação em vigor, que de alguma forma é restritiva mas também orientadora de boas práticas. E acredito que os Açores ainda têm bastante capacidade de carga para acolher mais visitantes. Temos é que cumprir as normas.
Tudo isto terá impacto ao nível do emprego?
Do ponto de vista da preservação ambiental, isso é já uma realidade. Temos cada vez mais pessoas contratadas, neste caso, pela Azorina, que é uma empresa pública que gere a parte operacional dos parques naturais. Relativamente ao plano turístico, mais procura vai-nos fazer valorizar o campo da oferta. Será fundamental termos serviços de qualidade e recursos humanos devidamente qualificados. Esta também é uma aposta do Governo Regional, que vai avançar com acções concretas de sensibilização para a população, para que percebam a importância do receber bem. E, a partir do próximo ano lectivo, as crianças do primeiro e segundo ciclos vão começar a ter na disciplina de cidadania conceitos associados ao turismo. O que queremos é incutir uma cultura de turismo a toda a sociedade açoriana.
O turismo suscita, muitas vezes, o receio de uma descaracterização do território. Há razões para isso no caso açoriano?
Temos medidas que acautelam essa possibilidade, e a maior parte dos projectos que dão entrada na Direcção Regional do Turismo para licenciamento de unidades hoteleiras enquadra-se na nossa matriz-natureza. Tem havido bom-senso da parte dos nossos empresários para perceberem que o turista que vem aos Açores procura diferenciação. Estar num hotel de cidade semelhante a um outro que se possa encontrar em qualquer ponto do mundo não será o mais procurado.