Diogo Perdigão veio do Bombarral, há 18 anos, para se instalar como viticultor em Castro Verde. Ficou preso ao fascínio da terra plana, rica em biodiversidade. Adquiriu a Herdade das Fontes Bárbaras, com 162 hectares, inserida na Zona de Protecção Especial (ZPE) de Castro Verde, onde prevalece a estepe cerealífera mais significativa de Portugal e uma das mais importantes da Europa. Um caso de sucesso exemplar de compatibilização entre o homem e a natureza com três décadas de histórias.
Diogo rapidamente se apercebeu da importância e do valor do ecossistema que se transmuta nas mais diversas tonalidades consoante as estações do ano. O território do chamado Campo Branco, que se estende por cerca de 85 mil hectares nos concelhos de Castro Verde, Mértola, Ourique, Aljustrel e Beja, realça, na Primavera, uma profusão de cores em que predomina o branco, o amarelo, o vermelho e o roxo, dispersas por um enorme manto de verde. No Verão os campos cobrem-se de amarelo-palha ou de cor cinza que transmitem uma sensação de enorme aridez. “Nenhum lugar pode ser mais serenamente belo, nenhum o será com meios mais comuns, terra larga, árvores, silêncio”. Assim falava José Saramago quando em 1998 revelava o seu encantamento pelo território transtagano.
Foi nesta ambiência que se deixou envolver Diogo Perdigão quando se instalou em Fontes Bárbaras. “Não havia ali um único grou. Agora temos centenas deles”, recorda ao PÚBLICO. As aves apareciam nos 15 hectares de vinha que acabara de plantar para “beber da água do sistema de rega gota-a-gota”. Agora, são várias as espécies que frequentam, sem medo da presença humana, a pequena barragem que entretanto construiu para suportar a rega da vinha.
Para se ter uma ideia da importância da avifauna identificada na ZPE de Castro Verde, das cerca de 160 espécies de aves identificadas, 84 são nidificantes e destas 22 têm estatuto de conservação desfavorável, tanto a nível nacional como comunitário. Pela sua importância, as mais emblemáticas são a abetarda (Otis tarda), o peneireiro-das-torres (Falco naumanni), o grou (Grus grus), o sisão (Tetrax tetrax), o cortiçol-de-barriga-negra (Pterocles orientalis) e o tartaranhão-caçador (Circus pygargus).
O contacto com as particularidades e as fragilidades do ecossistema alertaram os ambientalistas para as condições do solo no Campo Branco. Ainda estão presentes na memória dos mais velhos as consequências da campanha de trigo que Salazar incentivou nos anos 20, 30 e 40 do século passado. Sucessivas e intensas culturas cerealíferas esgotaram a terra arável e aceleraram um processo de erosivo que culminou na situação actual: solos delgados, com muitos afloramentos rochosos e extremamente debilitados.
Hoje, e com a finalidade de melhorar a situação, a terra é explorada em rotação, “continuando-se a fazer o cereal mas intervalado com pousios, aproveitados pelo gado ovino, facto importante em termos de retorno de fertilização orgânica”, assinala a Liga para a Protecção da Natureza (LPN).
O viticultor reconhece, por sua vez, que sem a presença humana “as aves não ficam”. É necessário semear para que elas possam ter alimento. “Até instalámos plataformas para as cegonhas puderem fazer os seus ninhos”, refere Diogo Perdigão orgulhoso por poder apresentar as medidas que preconizou para garantir a presença das aves estepárias nos terrenos da sua exploração e assim valorizar a unidade de enoturismo que lá instalou.
Três décadas de luta
A simbiose entre a preservação do ecossistema da ZPE de Castro Verde e as actividades humanas são o resultado de três décadas de lutas. Francisco Duarte, presidente da Câmara de Castro Verde relembra ao PÚBLICO o que se passou no início dos anos 90. “Tentaram cobrir este território com uma floresta de eucaliptos, mas a autarquia resistiu à pressão e às mensagens de ganhos vultuosos e imediatos com o negócio da madeira de eucalipto”. Se os planos de florestação que estavam programados naquela época fossem consumados, “matavam a nossa biodiversidade”, observa o autarca.