Voltar para casa era uma viagem

Na minha juventude, voltar a So Paulo, depois de viagens que em geral eram mais longas do que as de hoje, tinha um efeito quase lisrgico ao percorrer os caminhos que levavam do aeroporto (ou da rodoviria) at minha casa.

Por alguma razo, a paisagem parecia nova. As ruas, to conhecidas, que se sucediam nas retinas em geral anuviadas pelo cansao, exalavam tons de cores, formatos, detalhes que de alguma forma insinuavam no serem mais exatamente as mesmas que havia deixado para trs semanas antes.

O que a rigor a pura verdade. A vida que passou por essas ruas outro dia no voltar; claro que a cada segundo o tempo enxota o presente para o passado.

Parece que eu sentia, mesmo no estando ao alcance dos olhos, que ao longo daquele trajeto, nos ltimos dias, algum havia morrido num sobrado, poeira se acumulara numa sacada, amores se juraram atrs de uma janela enquanto outros terminaram na casa vizinha, amizades nasceram na mesa daquele bar para serem esquecidas ao ltimo suspiro da ressaca.

Era uma sensao gostosa, de encontrar uma cidade nova, diferente da que eu havia deixado.

Acabo de chegar de uma viagem mais longa que o habitual (para meus padres), e me vi indagando a mim mesmo se, com esse lapso maior, o efeito da minha juventude iria se repetir.

Fui a cidades escancaradamente antigas. Ao longo de duas semanas, estive em Milo (para fazer apresentaes sobre gastronomia no pavilho brasileiro da Exposio Mundial) e, de l, direto para a Cidade do Mxico (para reunies e cerimnia do prmio 50 Melhores Restaurantes da Amrica Latina). Ambas cidades cuja arquitetura teima em mostrar que esto ali h centenas ou milhares de anos.

Ser que na volta ao presente, quando chegasse a So Paulo, aquela sensao de achar que presenciaria algo novo voltaria?

Nada feito. Ruas e avenidas no deram qualquer sinal de renovao. Provavelmente porque nada de muito relevante ou visvel mudou.

Antigamente, voltar era parecido a ir, como viajar, porque o lugar aonde eu chegava parecia ser novo.

uma sensao deliciosa a de encerrar a viagem como quem comea uma outra. Mas hoje j no sinto mais isso; estou mais afinado com o lugar-comum que diz que o melhor da viagem voltar pra casa. No, no pra tanto; mas que reconfortante voltar, isso . Especialmente se sacamos que, mesmo aqui, de volta para casa, a viagem ainda continua.

*

Em Milo, fui conhecer o novo e j muito falado restaurante Tokuyoshi (via S. Calocero, 3), do chef homnimo, um japons que trabalhou anos ao lado de Massimo Bottura. Ele define seu restaurante como de “cozinha italiana contaminada” -forma divertida que descreve seus pratos italianos com influncia japonesa. Cada prato vem com um copinho com alguma coisa (um caldo, um molho leve) independente das bebidas. So pratos de fundo tradicional: tagliatelle com molho branco, espaguete com vngole, pombo assado, muito bem executados.

Mas no resisto a sempre visitar tambm um local mais popular, de cozinha tradicional e familiar. Desta vez foi o Latteria San Marco, em Brera (via San Marco, 24). Pequenino, no aceita reserva (nem qualquer carto); tocado pelo casal Maria (na sala) e Arturo (na cozinha), nos serviu sopa de feijo com couve, espaguete ao alho e leo com aliche e peperoncino, ovo com manteiga e bottarga, polpettone com batata espanhola (confitada). Um achado. Pena s ter um vinho, da famlia -e ruim.

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