Vinho e pão são perfeitos pontos de partida para um fim de semana de descoberta. A Quinta do Gradil, no Cadaval, propõe experiências de enoturismo com a serra de Montejunto como cenário. E vinhos cheios de caráter que condizem com a paisagem.
A piscina não é bem uma piscina. Assemelha-se mais a um tanque. A um convidativo tanque, com hidromassagem, exposição à última luz do dia e vista para a serra de Montejunto, que, logo ali adiante, cresce trezentos metros em altitude. Percebe-se que haja quem chegue e, por um dia ou dias, nem dali saia. O Artvilla abriu portas em 2012, com o propósito de aproveitar proximidades e distâncias: o Montejunto ali à frente, rico em possibilidades, Lisboa não muito longe para quem chega de fora e todo o seu bulício bem mais longínquo do que a hora de caminho a que realmente está.
O sítio tem mão de arquiteta. Catarina Carvalho, filha dos donos, foi quem desenhou a transformação das velhas casas, respeitando a configuração de pátio interior, rodeado das várias dependências, como uma aldeia dentro da aldeia – daí haver um tanque, uma piscina convencional sairia do contexto. Ali havia uma adega, oficina de sapateiro, um moinho. Hoje albergam quatro apartamentos, a que se somam, na casa principal, outros tantos quartos e uma suite, decorados num misto de recordações de viagem, tradição e artesanato de autor. Sim, porque a casa também tem mão de artista: Maria do Céu, mãe de Catarina, é ceramista e tem peças suas espalhadas pelos cantos da casa. Peças essas que, a pedido, estão à venda.
O best-seller do Artvilla é o apartamento Moinho. Uma suite de dois andares, com lareira no piso térreo e, no de cima, terraço e um abundante alperceiro. Uma mó de pedra à porta lembra a antiga vocação do edifício. O engenho propriamente dito, esse, já estava para lá de reparável. Mas o hóspede com curiosidade de ver como funcionava um moinho não será deixado na ignorância.
É preciso subir a serra, território rico em ventos e, por inerência, em património molinológico. A cada curva que a estrada faz, logo se deixa descobrir outro cabeço coroado de moinhos, e mais outro. Pela estrada que corta o Montejunto ao meio, a partir de Vila Verde dos Francos, há um moinho que se destaca na paisagem. As velas estão abertas e os braços giram a toda a força. Mesmo quem nunca se tenha interessado por estas magníficas máquinas sentir-se-á impelido a ir ver o que se passa. E não dará o seu tempo por perdido.
A envergadura das varas do moinho de Aviz é impressionante. À porta está Miguel Luís, uma autoridade em matéria de molinologia. Miguel é uma enciclopédia. De carpintaria, de meteorologia, de cereais, de mecânica. Foi ele que reconstruiu o «motor» deste moinho, é ele que faz a manutenção, é ele que o opera. E é ele que guia as visitas, explicando para que serve cada peça, cada processo. «Estou a falar consigo e estou a ouvir o vento, a força, a direção», diz. Ouvidos destreinados não ouvem mais do que o ranger e o claquear do engenho.
De vez em quando, Miguel demonstra a moagem. E explica as diferenças entre os tipos de trigo, que ainda compra a produtores locais. Em dias especiais, amassa a farinha e faz pão, que junta com petiscos e vinhos. Por agora anda entusiasmado com um novo projeto, uma tasquinha com forno a lenha que está a ultimar ali ao lado. Onde o pão quente, invariavelmente, será o principal chamariz.
É altura de explicar o motivo de aqui estarmos. E mete pão e vinho. O moinho de Aviz é um dos recantos desta serra que Bruno Gomes conhece de cor.
Bruno é o responsável pelo serviço de enoturismo da Quinta do Gradil. E isso envolve, claro, visitas às vinhas, à adega, à quinta. Mas também, cada vez mais, a integração do vinho na paisagem que o rodeia. E um dos programas envolve a prova de vinhos num moinho, acompanhada de pão. Bom pão, com sabor, textura, consistência. O que nos leva de volta ao Artvilla, também parceiro do Gradil nas experiências de enoturismo.
Ao pequeno-almoço, é impossível não fazer do pão motivo de conversa com os proprietários. É o pão a que todo o citadino devia ter direito mas que só com alguma felicidade encontra. Maria do Céu não guarda segredo da origem. Vem da Vermelha, aldeia no Norte do município, mas, garante, o de Campelos não lhe fica atrás e sempre está mais de caminho para quem apanha a autoestrada.
De volta às estradas nacionais, para já. A N115 vem de Loures, e segue para as Caldas da Rainha. Por aqui, corre rodeada de vinhas, as vinhas do Gradil, que se estendem para lá dos limites desta quinta que pertenceu ao Marquês de Pombal. São já 120 hectares, dedicados à produção de alguns dos vinhos mais premiados da região. Pelos trilhos que separam os talhões há toda uma história a contar, de castas plantadas a título experimental e da aventura que é trabalhá-las, da vida selvagem que por aqui espreita, da mancha de bosque autóctone que foi mantida. Em tendo a sorte de apanhar Bento Rogado, chefe de viticultura, a visita ganha outra cor. Ele entusiasma-se a falar dos javalis que lhe comem as uvas, do quebra-cabeças que é a produção da casta Vital, até a falar de ervas daninhas. E entusiasma quem o ouve.
De onde quer que se olhe no meio das vinhas, impõe-se a silhueta da antiga casa de campo do marquês, um palácio setecentista que já viu dias melhores. E impõe que se pergunte que planos há para o monumento. Luís Vieira, proprietário da quinta, garante que pretende recuperá-lo, fazer dele salão, garrafeira, loja da quinta. «Sem dar passos maiores do que a perna», é um dos seus lemas. Até porque recentemente fez grandes investimentos na compra de uma herdade no Alentejo e no reforço do enoturismo. E anda a braços com o lançamento da cerveja artesanal Xana e a produção de uma ginja. Um passo de cada vez.
O restaurante da quinta põe em evidência parte desse investimento no enoturismo. Desde logo, com a contratação do chef Daniel Sequeira, chegado em setembro. A missão que lhe foi dada: cozinha que faça brilhar os vinhos da casa. Cozinha de autor, matriz tradicional, afinada em parceria com a equipa de enologia. Os exemplos: uma açorda de marisco, com textura de migas alentejanas, que faz sobressair a frescura do branco Viosinho; um suculento lombo de dourada que sublima o Reserva branco 2014; uma delícia de chocolate que mostra a vocação do tinto Reserva 2014 também para sobremesas de cacau.
No final, vamos a ver, está lá tudo: as paisagens de Montejunto, na frescura dos brancos, e a força da terra nos tintos; as vinhas, que espreitam pelo janelão da sala; até o pão que nos recebe à mesa, também ele da Vermelha.
Eis o ponto final, que se transforma em reticências, perdurando na boca toda a viagem de regresso: a aguardente Quinta do Gradil XO, vinda de um lote que Luís Vieira herdou do avô, tesouro com meio século que o patriarca guardara para a posteridade. É líquido precioso, cada garrafa custa 125 euros na loja da quinta. No restaurante, porém, um balão rondará os 8 euros. E o sorriso que deixa na cara de quem a prova – de satisfação, não do grau alcoólico – fá-la valer cada cêntimo. Finais sorridentes deixam sempre mais saudades.
Enoturismo no Gradil
Caminhadas pela quinta, observação de aves, percursos de jipe, petiscos em plena serra: a Quinta do Gradil tem um catálogo considerável de experiências em torno do vinho e do cenário do Montejunto. Isto sem esquecer outros tesouros do Oeste, com Óbidos à cabeça – onde a mesma equipa produz outro grande vinho, o histórico Casa das Gaeiras. Além de passeios pela vila medieval (incluindo a ocasional ginjinha), há também visitas aos 20 hectares de vinha onde nasce o Casa das Gaeiras, bem como à casa que lhe dá nome, um magnífico palácio (ou château, se preferirmos) que «esconde» um inesperado jardim botânico, ambos inacessíveis ao público. Nada como falar com quem conhece a região.
Visitar
MOINHO DE AVIZ. Vilar (Cadaval). GPS: 39.1706, -9.0932. Tel.: 914308638.
Comer
QUINTA DO GRADIL. EN115, Vilar (Cadaval). Tel.: 914909216. Das 12h00 às 16h00; jantares, sexta e sábado, das 19h00 às 22h00. Encerra à terça. Preço médio: 25 euros.
Ficar
ARTVILLA. Largo Nossa Senhora da Conceição, 3. Vila Nova, Vilar (Cadaval). Tel.: 262771135. Quarto duplo a partir de 70 euros por noite.