O que me lembro de lá

Outro dia me convidaram para ir a Maputo. Ou melhor, para mim, seria um convite para retornar capital de Moambique. Envolvido com outros projetos aqui no Brasil, no pude ter esse enorme prazer –mas a simples possibilidade de ir me fez lembrar de uma viagem maravilhosa. Mas que memrias mesmo eu tinha de l?

Estive em Maputo em 1998, como parte de um projeto maior de reportagens visitando todos os pases de lngua portuguesa. Naquela poca, claro, smartphones no existiam, e uma fotografia no era algo que voc colocava em uma rede social para exibir o que est fazendo –ou como voc saiu bem naquele clique. Viajei com uma cmera “antiga” e vrios rolos de filme.

No lugar de tirar vrias poses para depois ficar com a melhor, como fazemos hoje quase sem pensar, eu tinha que selecionar muito bem o que queria fotografar. Cada escolha seria “definitiva”, implicaria custos (revelao, impresso), mas esse “momento decisivo” (como diria o grande mestre Henri Cartier-Bresson) seria visto e revisto vrias vezes em um caprichado lbum de fotografias.

lbum que eu resgatei na minha estante quando recebi o convite para Maputo, por pura saudade de l. Dos dois filmes que usei na cidade, sobraram pouco mais de 20 fotos nas pginas que conferi. E foi com surpresa que percebi que minhas lembranas eram justamente as imagens que elas estampavam.

Um grande prdio no centro com um luminoso estampando o nome da cerveja local mais popular na poca (Cuca); um outro que anunciava: “Quer ser elegante? Casa da Sorte Modas”; em uma apresentao de teatro de rua, eu sentado ao lado de uma enigmtica figura vestida de vermelho, representando o diabo; um cemitrio cristo com um porto decorado de caveiras; uma placa de rua curiosamente indicando a direo para Copacabana; a fachada de um teatro popular; eu dentro de uma desconfortvel “chapa”, como batizada a van que l faz o transporte pblico; uma bela praia deserta.

Se algum me perguntar, at hoje, o que me lembro de Maputo, vou responder com um mosaico dessas imagens, que revisitei durante anos. Porm, se algum agora me pedir para descrever um lugar onde fui h pouco, j na era do smartphone (digamos, Mianmar), minha resposta imediata sacar o telefone do bolso e comear o desfile de imagens…

Dias atrs, em uma conversa com um amigo, que tambm um genial artista plstico, ele contava que ao visitar na Itlia a cidade de onde seu pai migrou, reconheceu imediatamente o lugar, graas s fotos que desde a infncia ele via no lbum que seu pai havia feito quando chegou ao Brasil. E o prprio artista lamentava que, hoje, com essa profuso de imagens que nos envolve –e nossa consequente indiferena a elas–, uma experincia como a sua seria quase impossvel.

Digamos que o convite para rever Maputo tivesse dado certo. Que lembranas eu traria hoje de l? Mil, 2.000 fotos? E quantas dessas eu teria pacincia de rever? Ou quantas despertariam a curiosidade das pessoas em saber mais sobre aqueles lugares?

Voc j sabe a resposta…

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