No Cariri, turista dorme em casas locais e conhece mestres populares

O Cariri sempre foi uma terra de viajantes. H pelo menos trs sculos, vaqueiros levantavam poeira ao cruzar com seus rebanhos essa regio, ao sul do Cear, em viagens em direo ao litoral.

Hoje, a nuvem de p que sobe da terra batida acompanha os turistas, que visitam o lugar atrados principalmente pela cultura popular e pelos costumes regionais, ainda muito parecidos com os da poca em que boiadeiros e cangaceiros se embaralhavam pelo interior nordestino.

O aboio que esses homens cantavam para os animais, seus gibes e chapus de couro, bem como os rituais e tradies, seguem vivos, quase intactos, nos municpios das redondezas. No apenas dentro de museus, mas sobretudo na figura dos antigos moradores.

o caso de Espedito Seleiro, 76, que atrai visitantes de todo o Brasil em busca dos artigos de couro que ele produz, como sandlias e mochilas –ofcio que herdou da famlia.

Na conversa com quem de fora, geralmente enquanto corta algum pedao de tecido, ele conta que seu pai produzia selas para cavalo e, certo dia, recebeu a encomenda de fazer uma alpargata para Lampio. Quando recusou o pagamento pelo servio, recebeu do rei do cangao um punhal, que Espedito guarda at hoje em casa.

Assim como as rvores de pequi na beira da estrada, histrias como essa brotam aos montes pelo lugar, sadas das bocas de rendeiras, poetas de cordel, repentistas, bonequeiras, rezadeiras, mestres do reisado e de outras manifestaes de um Brasil que mais parece sado de um livro de Ariano Suassuna (1927-2014).

Esses mestres, como so chamados, hoje so verdadeiras atraes tursticas, muito por causa de um projeto de turismo comunitrio criado na cidade de Nova Olinda, pela Fundao Casa Grande. Assim como outras iniciativas pontuais espalhadas pelo pas, ele abre as portas da comunidade para quem vem de fora.

Veja mapa

A ONG, que oferece atividades e brincadeiras para crianas e jovens, encontrou no turismo uma maneira de gerar renda na regio. Primeiro para os mestres, que recebem gratuitamente o visitante para conversar, mas vendem seus produtos, de folhetos de cordel a sandlias de couro e potes de doces. E tambm para a prpria fundao, que criou uma agncia de turismo.

Mas o dinheiro visa ajudar principalmente s famlias dos meninos e meninas que participam de atividades na Casa Grande, evitando que eles abandonem a fundao para comear a trabalhar e ajudar no oramento da casa.

Ao chegar cidade, o turista acomodado nas residncias deles, em um dos 16 quartos criados em dez casas, todos equipados com televiso, ventilador, banheiro e estante de livros. Os demais cmodos so divididos entre o visitante e a famlia que o hospeda.

A diria, que custa R$ 70, d direito a penso completa –geralmente com arroz, feijo, carne, suco e rapadura, servidos mesa da cozinha, onde todos sentam-se juntos.

“A ideia integrar o visitante vida da regio”, diz Junior dos Santos, 23, que brincava na ONG quando era criana e hoje administra a agncia de turismo comunitrio. De Nova Olinda, visita-se Assar (cidade do poeta Patativa), Exu (onde nasceu Luiz Gonzaga), Juazeiro do Norte (academia de cordel), Potengi (famosa pelo reisado), entre outros.

Alm disso, h trilhas pela Chapada do Araripe, cheia de rios e nascentes, onde caatinga e cerrado se misturam. Os preos variam de acordo com o roteiro, mas h opes a partir de R$ 70 (mais no site ).

A sensao de pegar a estrada, seguindo os passos dos antigos vaqueiros, entre uma cidade e outra, a de se transformar no prprio sertanejo. a de ficar perto de Deus e do diabo na terra do sol.

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FOTOGRAFIAS

As imagens da galeria acima foram feitas por Samuel Macedo, 31, fotgrafo de Nova Olinda (CE) que frequentou a Fundao Casa Grande quando criana.

Em 2011, ele colaborou com a Folha. Depois, fez as imagens da srie Quintais, da “Folhinha”, sobre meninos de diversas regies do pas.

Suas fotografias, que mostram o interior do Brasil, podem ser vistas aqui.

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