Lisboa e Porto fora de horas: onde comer, beber… e não só


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Se não faz parte do grupo de acólitos da doutrina do ‘deitar cedo e cedo erguer’, está na hora de descobrir — ou revisitar —, noite dentro, duas cidades onde se dorme cada vez menos. Levadas pela crescente procura de turistas de todas as latitudes, Lisboa e Porto, mesmo para os noctívagos residentes, tornaram-se uma caixinha de surpresas, tal a profusão de espaços de restauração e lazer que abrem portas a cada passo. Sem tabus nem preconceitos, antigos armazéns, velhas casas senhoriais e até capelas transformam-se em novos templos de fruição a desoras, surpreendendo os forasteiros e os passageiros menos frequentes da movida local.

Na revigorada Baixa do Porto, petiscar e cear depois das 12 badaladas deixou de ser uma miragem ou um segredo bem guardado de alguns aficionados das noites longas, multiplicando-se a oferta de bares e palcos de dança quase até o sol raiar. Como São Tomé, o melhor é ver para crer o que ocultam as vetustas paredes da Capela Incomum, na Travessa do Carregal, uma capela vermelha erguida pelo visconde Vilarinho de São Romão no final do século XVIII, agora renascida em wine bar pela mão de Francisca Lobão, designer de interiores ligada a projetos de enoturismo em adegas de quintas da Região dos Vinhos Verdes. Sem culto religioso há 50 anos, esta capela laica convertida a Baco que mantém intactos os vitrais, a cruz e o altar tem o vinho de mesa e do Porto como copos fortes. De portas abertas das 16h às 24h às terças e quartas e até às 2h de quinta a sábado, a especialidade da Capela Incomum são os petiscos, da morcela ao chouriço assado na mesa, às tábuas de queijos e aos enchidos e bruschettas variadas, num embalo de música jazz, chill-out e fado ao vivo duas vezes por mês.

Ainda na confluência de Cedofeita, na travessa do mesmo nome, no nº 56, fica o Museu d’Avó, de Tiago Santos, um pequeno restaurante/bar rústico onde não faltam objetos vintage e sabores tradicionais, das pataniscas às moelas, das alheiras às amêijoas e aos cogumelos, regados, das 20h às 4h, com vinhos de todas as regiões demarcadas.

Na trendy e alternativa Travessa de Cedofeita, no nº 24, o Rua Tapas Music Bar fecha a cozinha às 23h30, mas não a abundante oferta de tapas de fusão, cuja carta é refrescada com 11 novidades de três em três meses ao sabor da inspiração de cozinheiros portuenses. A funcionar até às 4h da madrugada, entre cerveja, gim, vodka e cocktails, a música ao vivo faz a festa em noites temáticas. Às quintas há roda de samba, ao sábado banda de música funk (música cubana no primeiro sábado de cada mês). Concertos de pop/rock e de música de dança compõem os restantes dias da semana deste espaço fora de horas concebido por Nuno Garcês.

Como nem só o que luz é novo, a terna noite da Invicta pecaria por defeito sem um familiar salto ao Pajú, a mítica casa de Paulo e Carolina Pinto, imune a modas há mais de três décadas na Rua de Faria Guimarães, nº 309. Nascido para acolher quem trabalha fora de horas, o Pajú acabou por abraçar amantes da noite de múltiplos quadrantes, abrindo as portas quando a cidade bem-comportada calça as pantufas e só as encerrando ao nascer da aurora. Até às 17h, não estranhe se a porta estiver fechada — para entrar é preciso tocar à campainha. Após a meia-noite, correm-se os reposteiros, reduz-se a luz, acendem-se as velas, põe-se a conversa em dia e petisca-se bife à Pajú, rojões à minhota, costeletas e bolinhos de bacalhau.

Francesinha a desoras

Na cidade das francesinhas, até às 2h da madrugada, a iguaria inventada no século XX apresenta-se como aposta robusta para quem a noite é ainda uma criança. Na Rua do Campo Alegre, nº 191, o Capa Negra II é uma opção clássica, pois é um restaurante que ainda prima por pratos de cozinha regional.

Subindo a Avenida da Boavista, no nº 1245, a menos de meio quilómetro da Casa da Música, o Portobeer surge como alternativa a ter em conta, sobretudo para os apreciadores de cerveja do mundo, da alemã à belga, da dinamarquesa à irlandesa, sem negligenciar a da Jamaica. Pretexto para acompanhar o rodízio de francesinhas, gizado para partilhar a quatro, ou saborear em ambiente descontraído uma posta de vitela laminada na pedra ou um arroz de mar ou simplesmente petiscar polvo à galega, choco frito e moelinhas picantes.

Uma das Mecas da noite after hours do Porto é uma antiga capela

rui duarte silva

Depois de aconchegar o estômago e se não tem horas de recolher obrigatório, o melhor é deixar-se embalar pelos sons da cidade, que nos últimos anos trocou a modorra pela abertura cosmopolita. De volta à Baixa, Meca da movida, há vários portos onde ancorar ou rodar entre pistas, copos e petiscos. No radar da Praça D. Filipa de Lencastre, nº 1, a partir das 18h e até às 4h da manhã às sextas e sábados, o Fé Wine Club, bar da moda do Porto rendido ao vinho (mais de 40 marcas), ao gim e aos petiscos non stop, agita-se pela calada da noite em dupla toada: na pista superior, o Fé Club move-se ao som house comercial; em baixo, no Absolut Room, ouvem-se ritmos latinos e brasileiros. Sob marcação, servem-se jantares para grupos e eventos.

Também na Praça D. Filipa de Lencastre, no nº 175, antes da meia-noite, por reserva, há ceias para grupos no vizinho Radio Bar, localizado num edifício histórico que já foi moradia senhorial, tribunal novecentista que ditou a condenação de Camilo Castelo Branco por um amor de perdição, cabaré no dealbar do século XX. A funcionar em dupla frequência, o espírito soul impera no primeiro andar até às 4h, enquanto no rés do chão a batida pop/rock prolonga-se ainda por mais duas horas.

Já na rota dos Clérigos, na Rua Conde de Vizela, nº 149, o cáBARé oferece música sem fronteiras para dançar, à mistura com petiscos e serviço de bar completo.

Petiscos e pezinhoS de dança

A noite lisboeta tem sofrido transformações nos últimos tempos. Muito por causa do turismo, que a obrigou a alargar a oferta e a tornar-se (ainda) mais cosmopolita. Fenómenos como as festas esporádicas e quase secretas (que ficam esgotadas em poucos dias) Revenge of the 90’s são disso exemplo. E, tal como os restaurantes, hotéis e casas de petisco, também os espaços para sair after hours multiplicaram-se e diversificaram-se.

O Rive Rouge, dentro do ultrapopular e moderno Mercado da Ribeira, veio colmatar o que faltava num local que se tornou uma Meca da restauração para os turistas. O irmão do incontornável LuxFrágil (é dos mesmos donos) começa cedo, às 17h, com bebidas e petiscos servidos na esplanada, e só fecha às 4h da manhã. A acompanhar as bebidas e as danças há pastéis de massa tenra, sanduíches de cogumelos, choco frito ou gambas panadas.

No Cais do Pirata, a música é acompanhada por vários tipos de rum

Quem quiser ficar apenas pelo pezinho de dança tem o Music Box, bem perto do Rive Rouge, ali na zona ribeirinha. Nascido em 2006, assume-se como um clube híbrido, porque é uma discoteca e uma sala de espetáculos. Há petiscos — alguns bem tradicionais, como caldo verde, salada de polvo, bacalhau à Brás ou peixinhos da horta —, mas também exposições e lançamentos de livros. Se bem que o prato forte seja a dança, todos os dias das 23h às 6h.

Ainda na mesma zona, mas na Rua de São Paulo, há o Cais do Pirata, um bar especializado em rum que fica aberto às 4h da manhã.

Já no Procópio, um bar no Jardim das Amoreiras, há 42 anos que os lisboetas se juntam para conversas longas pela madrugada dentro. As famosas imperiais e as pipocas são dois dos ex-líbris que mantêm os clientes fidelizados e a casa cheia.

Quem procura uma experiência mais requintada tem o Mini Bar, do chefe José Avillez. Em pleno coração do Chiado, situado mesmo no Teatro São Luiz, o único chefe português com duas estrelas Michelin criou um bar gastronómico que começa a animar a cidade a partir das 19h da tarde e só acaba às 2h da madrugada. Num espaço intimista e confortável, há surpreendentes e divertidas experiências gastronómicas, sempre em minidoses. A acompanhar os cocktails, vinhos e cervejas artesanais, a ementa divide-se em cinco atos. E os nomes são sugestivos. O primeiro oferece minicocktails de trincar, como uma margarita de maçã verde e hortelã; o segundo apresenta minipetiscos, que tanto podem ser azeitonas El Bulli, Ferrero Rocher ou croquetes e emulsão de mostarda; o terceiro tem as chamadas minientradas, que vão da terrina de foie-gras com uvas e vinho do Porto às batatas parvas com maionese de alho picante; o quarto são minipratos de peixe, como as vieiras salteadas com sabores thai; e, por fim, no quinto ato há minipratos de carne, como a bifana vietnamita ou o arroz de vitela com parmesão. São cinco atos para desfrutar, entre copos, e entrar pela madrugada dentro.

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