Leonor Freitas: "Não há lugares para mulheres ou homens, há as …

“Vinho” é um substantivo singular masculino. Mas o sucesso viníco da Casa Ermelinda Freitas faz-se no feminino plural.

As palavras vêm de uma mulher apenas, mas Leonor Freitas, que é a quarta geração de mulheres a assumir as rédeas de um negócio que é uma referência no mercado dos vinhos, nunca fala em “eu” e sim em “nós”. Nós, subentendendo-se que se refere a si própria, claro, mas também às suas predecessoras que ocuparam o cargo homólogo, às colaboradoras (e colaboradores) com amor à camisola que continuam a fazer da instituição um caso de sucesso na área, e às sucessoras – a filha, Joana, e outras que possam seguir-lhe, eventualmente. É que a Casa Ermelinda Freitas promete ter vida eterna.

Primeiro, pelo conhecimento de quem a gere: o cromossoma X dá-lhe o cunho de mulher inspiradora, mas o seu talento, conhecimento e aprendizagens na indústria não têm género. Leonor Freitas é, tal como os outros nomes da família, uma lutadora que não esconde que “ninguém sabe tudo e é com os vários saberes das pessoas que trabalhamos, ou que procuramos ajuda, que se consegue uma gestão equilibrada e participativa”.

Depois, porque a sua força não se esgota no produto de qualidade galardoado (as 27 medalhas recentemente atribuídas – 1 dupla medalha de ouro, 1 grande medalha de ouro, 14 de ouro, 8 de prata e 3 de bronzenas competições mundialmente famosas La Selezione del Sindaco 2018 e New York International Wine Competition 2018 – são só uma amostra): é que o nome da casa pode acompanhar-nos ao jantar, num sunset relaxado, num almoço com amigos, mas o nome sabe que todas as fases do processo, por isso, abriram a Casa ao público com a sua vertente de Enoturismo e Museu.

Fomos conhecer melhor a empreendedora que continua a colocar uma voz de força feminina num mundo de substantivo masculino – em mais do que uma dimensão – e a Casa que leva ao peito.

Casa Ermelinda Freitas

É a quarta geração de mulheres na liderança do universo que é a Casa Ermelinda Freitas: o que aprendeu de mais valioso com as suas predecessoras, enquanto as acompanhava de perto? 

Na minha opinião, as pessoas são o resultado das suas vivências, dos exemplos que lhes foram dados, dos valores que lhes foram incutidos, e sem dúvida que eu terei que ser uma súnula de tudo isto. As pessoas que viveram perto de mim foram e são as minhas referências para a minha vida pessoal e profissional.

E o que é que acrescentou de aprendizagem in loco, depois de assumir o cargo, por si própria, que não estava á espera de encontrar?

A sociedade é dinâmica e eu não poderia ficar no tempo dos meus antepassados. Em primeiro lugar, o facto de ter saído desta região para estudar e voltar mais tarde, permitiu-me obter um olhar diferente e uma perspetiva de futuro também diferente daquela que era a dos meus avós e dos meus pais. A minha grande aprendizagem, foi aprender a viver com a instabilidade económica que na agricultura temos de saber lidar diariamente, pois dependemos das condições climatéricas e aqui reside toda a diferença, para quem estava habituado a viver de um vencimento seguro de técnica superior na função publica.

Sente ou alguma vez sentiu algum tipo de preconceito por ser uma mulher num negócio de vinhos, estereotipado como um setor masculino? Ou não há esse tipo de juízos na indústria onde se move?

Todos sabemos que a igualdade de géneros ainda não existe na totalidade. Na minha altura, no mundo rural agrícola mais acentuado o era!!

Claro que senti que não podia errar, os olhos estavam postos no meu trabalho, nas minhas atitudes e algumas vezes foi-me manifestado que não gostariam de fazer negócios com uma mulher.

 

Claro que tudo isto tem sido ultrapassado, mas também dizer que tive homens que me apoiaram e estiveram ao meu lado. Para mim a atitude tem que estar dentro de cada mulher, que não é por ser mulher que não poderá desempenhar aquilo a que se propõe fazer na sua vida profissional. No meu caso, era a continuidade do trabalho da família e claro que tive que muitas vezes dizer a mim própria que não era por ser mulher que ia abandonar aquilo que a família tanto amor tinha, e tanto tinha trabalhado. Mais uma vez, reafirmo: “Não há lugares para mulheres ou homens, há as pessoas certas nos sítios certos…”.

Fale-nos um pouco sobre o universo da Casa Ermelinda Freitas: é mais que apenas um vinho de referência em termos de mercado. Tem ainda Museu, quintas, restaurantes… fale-nos um pouco sobre esta expansão.

A Casa Ermelinda Freitas quer estar dinâmica, quer aproveitar um setor que pode ser global e englobar vários setores da vida social e económica. Neste sentido, a Casa Ermelinda Freitas situa-se em primeiro lugar a tratar muito bem as suas vinhas, para que daqui resultem os melhores vinhos ao melhor preço para oferecer aos seus consumidores. Para alem desta oferta, a Casa Ermelinda Freitas tem a preocupação de ter uma função social e pedagógica e aqui engloba o seu jardim de vinhas onde pode ensinar e receber visitantes para poderem constatar que as uvas não são todas iguais, podendo assim apreciar as 29 castas que temos plantadas. Observar as suas diferenças, e simultaneamente poder passar a mensagem que o vinho se deve beber com moderação.

Também nesta perspetiva, desenvolvemos o enoturismo que não é mais do que receber as pessoas, mostrar o nosso jardim de vinhas, o nosso Centro de Vinificação, poderem provar alguns dos nossos vinhos e se pretenderem almoçar ou jantar também o poderem fazer, mas sempre com marcação prévia (nas instalações não existe restaurante).

O Museu, ou aquilo que eu chamo “O Meu Espaço de Afetos e Memórias”, não é mais do que um local que serve para recordar o que foi a minha infância, o que foi o trabalho da minha família e três gerações antes de mim que trabalharam a terra, a vinha e, deste grande trabalho e amor à terra, nasce e cresce a Casa Ermelinda Freitas, com a quarta geração que evoluiu respeitando a tradição, mas sempre modernizando. Sempre foi preocupação da gestão da Casa Ermelinda Freitas levar a sua cultura para fora da região, trazer o turismo até às suas instalações e, com esta preocupação, fizemos uma parceria com um restaurante em Lisboa, o WINE NOT?, numa zona privilegiada da capital (R. Ivens 45), onde o consumidor pode conjugar a comida com os nossos vinhos (Terras do Pó, Dona Ermelinda, Quinta da Mimosa, CEF Espumante, CEF Moscatel de Setúbal, etc…), a copo, podendo depois escolher o que mais gostar e levar para casa para partilhar.

© Casa Ermelinda Freitas | Museu

Além das mulheres com quem partilha ou estiveram na gestão da Casa Ermelinda Freitas, que outros nomes femininos a inspiram?

Tenho tantas referências de grandes mulheres que me inspiram, que me recuso a dizer um nome. Seria injusto da minha parte, não conseguiria ser abrangente! Mas posso dizer-vos que as mulheres que comigo trabalham são as minhas colaboradoras e a minha principal inspiração, alem daquela que será a mulher da quinta geração da Casa Ermelinda Freitas, a minha filha Joana Freitas.

Como é um dia de trabalho na vida de Leonor Freitas?

É um dia muito preenchido, em que as horas passam como sendo minutos, em que vivemos cada garrafa que enchemos, cada prémio que ganhámos, ele é passado de uma forma de trabalho, de convívio, partilha, interrogações, também de discussão de opiniões, divergências direcionais, de reflexões, trabalho individual e de equipa, de envolvimento dos nossos principais parceiros, e uma grande preocupação de todos pelo nosso consumidor. São dias de muito trabalho, mas a gestão preocupa-se diariamente para que todos sintam que são peça fundamental no desenvolvimento da Casa Ermelinda Freitas.

Que parte do trabalho lhe dá mais prazer?

Criar, partilhar em equipa, e sobre tudo sentir que os consumidores vão preferindo cada vez mais os vinhos da Casa Ermelinda Freitas.

Podemos pedir-lhe umas dicas sobre a escolha de um vinho e talvez desmistificar alguns protocolos? Por exemplo:

a) que factores devemos ter em conta quando se escolhe um vinho? Qualidade, preço e imagem. Ao fim e ao cabo, respeitar a quem se destina.

b) o preço é indicador da qualidade do vinho ou nem por isso? Como reconhecer um vinho de qualidade? Um vinho de qualidade, é aquele que cada pessoa mais gosta e que lhe dá prazer a beber.

c) é verdade que o vinho se deve escolher consoante o prato (branco se for peixe, tinto se for carne)? Não sou nada fundamentalista, tradicionalmente é o que se aconselha, mas, na minha opinião, um vinho é para dar prazer e deve se beber e acompanhar consoante o prazer que dá a cada pessoa.

d) acha que hoje em dia deve pesar mais o gosto do anfitrião (ou o do próprio consumidor)? Quando faço um vinho, ele não é para eu beber, mas sim para ir ao encontro do consumidor pois o meu sucesso é dele que depende.

A Leonor prefere tinto ou branco? 

Sendo todos os vinhos “meus filhos”, e como nós gostamos de todos os nosso filhos, o que posso dizer é que bebo todos apenas escolhendo a ocasião, os amigos com quem estou, o prato que estou a comer e o vinho que me acompanha em cada momento da minha vida.

Da coleção de colheitas Ermelinda Freitas, tem algum favorito?

Todos os vinhos me marcaram, pois todos eles têm história: uma garrafa de vinho é muito mais do que um só vinho, dentro dessa garrafa há história, paixão, trabalho, amor, cultura, enfim, neste sentido cada marca tem para mim um significado importante. Um Terras do Pó, pois foi a primeira marca; a Dona Ermelinda, porque é o nome da minha mãe; o Quinta da Mimosa onde nasci e cresci; o Leo d’Honor, uma expressão latina de Leão de Honor que liga ao meu nome; as Monocastas (Syrah, Trincadeira, Touriga Nacional, Alicante Bouschet, Alvarinho, etc…) pois foram vinhas novas plantadas por mim – só havia Castelão -; e o Dom Campos, porque é o apelido dos meus filhos, que vem do meu marido.

Uma amostra do espólio vínico da Casa Ermelinda Freitas.

Enquanto empreendedora, deixe-nos dois ou três conselhos para colegas empreendedoras – ou futuras colegas empreendedoras – nesta ou noutra área. O que é que gostaria que outras mulheres soubessem para gerir um negócio da melhor maneira?

Eu acho que existem vários fatores, mas aquele que eu senti como fundamental na minha vida foi acreditar em mim própria de que era capaz. Depois, trabalhar e preparar-me o melhor possível. Um fator que foi fundamental ainda hoje é a persistência do não desistir e, quando os “espinhos me batem à porta”, ter a força de os arredondar, nunca desanimando. Mas também aconselho que quando tudo corre bem, tenham a humildade de saber que nem tudo corre sempre bem.

E depois não esquecer que ninguém sabe tudo e é com os vários saberes das pessoas que trabalhamos, ou que procuramos ajuda, que se consegue uma gestão equilibrada e participativa.

 

Casa Ermelinda Freitas
Rua Manuel João de Freitas
Fernando Pó
2965-595 Águas de Moura
Portugal
E. geral@ermelindafreitas.pt
T. +351 265 988 000 e +351 300 500 435
F. +351 265 988 004
W. Ermelindafreitas.pt

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