Floresta única

Quem gosta de conhecer destinos inslitos, ventilar seu repertrio, ampliar horizontes, precisa de tempo, algum dinheiro… Mas, antes de mais nada, depende que tais lugares continuem existindo.

Cheguei h uma semana da Amaznia peruana, no nordeste do pas. A partir de Iquitos, cidade com seus milhares de mototxis (tipo tuk-tuks tailandeses) e mercado a cu aberto, tomamos o rio Amazonas para leste, na direo do Brasil. No fomos to longe: navegamos cerca de 185 quilmetros mata adentro, aportamos ainda no Peru, na comunidade de Pucuarquillo.

Na volta, viajando na contracorrente, passamos por Iquitos seguindo rumo ao sul at o ponto em que o rio ganha seu mtico nome: a confluncia dos rios Maraon e Ucayali (bom, depois que entra no Brasil ele passa a se chamar Solimes e s volta a ser Amazonas em Manaus, quando ocorre a mgica juno com o rio Negro; mas isso outra histria: a majestade a mesma).

A viagem foi feita num barco de luxo, o Aria Amazon, mais que adequado para quem quer ver a natureza virgem a bordo de todo conforto. Mas no foi o conforto que nos levou, 30 pessoas, para l. Na maior parte do tempo ficamos sentados falando sobre o assunto do primeiro pargrafo deste artigo: at para o simples desfrute de uma experincia rara (o contato com a natureza e com as culturas dos moradores da regio), preciso que aquilo seja preservado.

As pessoas de vrios pases ali reunidas discutiram por trs dias o desafio de sobrevivncia da floresta a partir de um ngulo especfico: a gastronomia. Sob o tema “Gastronomia para uma Amaznia Sustentvel”, estiveram ali a presidente do WWF, Yolanda Kakabadse, representantes de entidades como Forest Trends e Canopy Bridge, chefs como o peruano Pedro Miguel Schiaffino (pesquisador e militante –de verdade, no s pela prpria imagem– da preservao da rea), jornalistas, artistas.

Do Brasil, o conservacionista Roberto Smeraldi (h quase 30 anos na estrada –e nas guas– com a associao Amigos da Terra “” Amaznia Brasileira) e os chefs Mara Salles e Paulo Machado.

A boa notcia: ao final dos trabalhos, e ao cabo de muitas consideraes tericas, o grupo alinhavou medidas prticas no sentido de utilizar os produtos e sabores da Amaznia, torn-los mais acessveis e universais, ao mesmo tempo garantindo a permanncia das comunidades que os produzem e do ecossistema no qual eles nascem.

As medidas vo aos poucos se tornar conhecidas. De imediato, minha primeira impresso –depois de j ter conhecido a Amaznia brasileira, onde o rio acaba, e agora adentrado seu trecho peruano, onde ele nasce, pela primeira vez– foi a de que aquela floresta tem uma fora gigantesca, telrica, e difcil de domar (como, alis, testemunharam os fracassados construtores da ferrovia Madeira-Mamor, depois as vtimas da rodovia Transamaznica e at o ficcional Fitzcarraldo).

Apesar dos milhares de quilmetros e da mata fechada que separam os dois extremos do rio, e mesmo ouvindo diferentes lnguas e sotaques, vendo frutos que no so exatamente os mesmos –mesmo assim, fica claro que as fronteiras polticas colocadas nos ltimos sculos no conseguiram separar o que uno.

a mesma Amaznia, o mesmo pirarucu (ou paiche, no Peru), a mesma mandioca (mas com tucupis diferentes), as mesmas pimentas (com suas ardncias perfumadas), as mesmas matas, chuvas e guas –sem falar dos indgenas e ribeirinhos, to iguais mesmo nas diferenas. Vale a viagem, claro, mas, especialmente, vale o esforo de mant-la para a viagem dos nossos netos.

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