Casal encara mais de 3.000 km de mochilão com os filhos pequenos

Sofremos uma crise de roupas de baixo antes de embarcarmos no avio para a Europa. Cal –nosso filho, supostamente treinado para usar o banheiro– sujou as calas.

“Desculpe, mame”, disse o menino de 5 anos, embaraado. “No tem problema”, minha mulher o reconfortou. Em momentos normais, acidentes como esse no passam de incmodos. Mas as circunstncias daquele momento no eram normais.

Minha mulher, Eva, e eu estvamos levando nossos dois meninos, Cal e Cormac, 7, para uma viagem de mochila pela Europa: um ms e 3.200 quilmetros, de Londres a Budapeste. S mochilas, nada de malas equipadas com rodas.

Foi assim que Eva e eu viajamos (antes dos filhos) por Turquia, China, Vietn e Japo. Queramos que os meninos curtissem esse modo de vida. Ou, pelo menos, que aprendessem a lidar com ele. Nossos pais disseram que seria um desperdcio de dinheiro. J amigos nos chamaram de “corajosos” (querendo, claro, dizer que ramos doidos).

Mas calculamos que tudo sairia bem. Acreditvamos que os meninos se adaptariam. Ns os preparamos durante semanas (“na Europa, nem toda refeio ser acompanhada por ketchup”), ensinando-lhes geografia (“quem aponta a Frana no mapa?”).

Voamos para Londres, depois de apenas quatro horas de sono, e sofrendo com o jet lag. A cidade deveria servir como teste. Naquela primeira semana, porm, tentamos fazer coisas demais, rpido demais: a torre de Londres, a catedral de St. Paul, o palcio de Buckingham, a London Eye (a roda-gigante de 135 metros de altura) e muito mais.

Quando chegou o sexto dia, todo mundo estava exausto, mas de novo em movimento, para Stonehenge, a 145 quilmetros de Londres. Havamos reservado uma excurso, com a qual teramos acesso s imensas pedras depois do horrio regular de visitas.

Mas, quando nos vimos sob as lendrias rochas, os meninos s estavam interessados em duas coisas: recolher as pedras espalhadas pelo cho (o que contraria as regras) e brincar de esconde-esconde (outra coisa que as regras probem). “Papai, corra!”, eles gritavam.

Os seguranas sorriam e fingiam que no estavam vendo. Compreendiam nossa situao. Mas no teriam apreciado a descoberta que fiz depois: Cormac havia levado uma pilha de pedregulhos sagrados de Stonehenge.

Escapamos para a Frana um dia depois. Por necessidade, aprendemos a desacelerar, em alguns dias saindo de nosso apartamento s l pelas 11h. Simplesmente no possvel viajar com filhos da mesma maneira que viajvamos no passado.

Ainda assim, subimos de escada os dois primeiros nveis da Torre Eiffel (704 degraus ao todo), em vez de usarmos o elevador. Depois, ainda passaramos por Vermont, Viena, Bratislava e enfim embarcamos em um trem lento e lotado para a Hungria.

Mas foi perto da cidade austraca de Reutte que Cormac e Cal aprenderam uma lio. Estvamos em um carro alugado, perdidos na chuva e neblina. De repente, Eva avistou uma passarela para pedestres, ligando dois topos de montanha. Ela me pediu para parar o carro e disse aos meninos que “viajar para isso”.

Fomos ao centro de recepo a turistas, na estrada, e descobrimos que a passarela Highline 179 tem 1,5 metro de largura e 400 metros de comprimento, suspensa a quase 40 andares acima da rodovia.

Minha mulher tem medo de altura, e eu tampouco gosto dela. Mas nos vimos tentando atravessar a passarela, porque isso que se faz em Reutte. L em cima, travei, no conseguia olhar para baixo. Eva e Cormac tambm hesitaram. Mas Cal fez questo de atravessar.

Ele j estava h 18 dias sem qualquer acidente com as cuecas, tinha comido salmo, sopa, camaro e aprendido a dizer “merci”. “Vamos l, pai”, disse. “Vai ser divertido”. Meu filho tinha razo. Atravessamos a ponte, Eva e Cormac nos seguiram depois. Estvamos naquela juntos.

noite, camos na risada, recordando a coragem que tivemos. Eram 22h, muito alm do toque de recolher dos meninos. Mas s uma questo importava, e foi Cormac que perguntou: “Para onde vamos?”

Traduo de PAULO MIGLIACCI

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