Quem percorre de carro a cidade planejada de Naypyidaw, capital de Mianmar, no v dificuldade para se esquecer de que est em um dos pases mais pobres do sudeste asitico. Dos dois lados da avenida, grandes edifcios, hotis e shoppings se estendem em fileiras aparentemente interminveis, todos pintados em tons pastel.
As ruas so bem pavimentadas e ladeadas por canteiros de flores e arbustos bem podados. As rotatrias tambm tm paisagismo cuidadoso e ostentam grandes esculturas florais.
A escala dessa cidade surreal difcil de descrever. Sua rea estimada em 4.800 quilmetros quadrados, seis vezes o tamanho de Nova York.
Tudo parece superdimensionado. As ruas, claramente projetadas para carros, tm at 20 faixas de rodagem e se estendem ao infinito. O rumor de que esses grandiosos bulevares foram construdos de forma permitir o pouso de avies em caso de protestos contra o governo.
A nica coisa que Naypyidaw aparentemente no tem so moradores. Oficialmente, sua a populao de 1 milho, mas muita gente duvida de que esse nmero se aproxime da realidade.
Em uma ensolarada tarde de domingo, as ruas da capital estavam silenciosas e, os restaurantes, vazios. Parecia uma imagem fantasmagrica de um subrbio ps-apocalptico nos Estados Unidos.
Construda do zero em uma rea antes ocupada por plantaes de arroz e cana-de-acar, Naypyidaw foi anunciada como nova capital da Birmnia em novembro de 2005 pelo regime militar que ento governava o pas.
Os rumores so de que a construo da cidade custou US$ 4 bilhes (R$ 12,5 bilhes), em uma nao que gasta apenas 0,4% do PIB (Produto Interno Bruto) com sade –de longe a proporo mais baixa do planeta.
Milosk50/Fotolia
Pagode de Uppatasanti na vazia Naypidaw; capital de Mianmar foi construda em segredo
CONTRASTES
Naypyidaw um estudo de contrastes: dois mundos vivendo lado a lado –uma bizarra cidade com cara de subrbio norte-americano lanada ao meio de um pas desesperadamente pobre.
As origens da cidade esto envoltas em rumores e especulaes. Alguns a descrevem como um projeto de glorificao pessoal de Than Shwe, antigo lder militar do pas.
Outras teorias apontam para a crescente paranoia da junta militar e seu desejo de transferir a capital para longe do mar, por medo de uma invaso anfbia norte-americana. Como resultado, a sede do poder agora fica mais perto das irrequietas regies onde movimentos e grupos tnicos separatistas pressionam por mais direitos para as minorias oprimidas, entre as quais os karen e os rohyngia.
O monumental complexo de edifcios da sede do Legislativo em Naypyidaw protegido por um fosso.
O mais perto que se pode chegar deles antes de ser detido por imponentes portes e soldados distante o bastante para tornar difcil uma viso perfeita da forma dos edifcios. H ainda rumores de uma vasta rede de tneis por sob a cidade.
Naypyidaw no a nica cidade levantada do zero por motivos polticos. Em sua criao por planejadores de regimes autoritrios, ecoa outros projetos urbanos como Astana, no Cazaquisto, e Oyala, na Guin Equatorial.
Mianmar mesmo tem um longo histrico de transferncia de capitais: Mandalay, a ltima capital do pas quando este era um reino, foi construda pelo rei Mindon no final do sculo 19.
Naypyidaw dividida em grandes e desajeitadas “zonas” –de hotis, edifcios governamentais, residncias de funcionrios do governo, militar–, o que torna difcil determinar onde exatamente fica o centro da cidade.
possvel que isso tenha acontecido intencionalmente: no existe um espao pblico natural, como a praa Tahrir, do Cairo, que permita que as pessoas se congreguem. Um jornalista indiano que visitou a cidade a descreve como um exerccio de “ditadura por cartografia”.
No se sabe ao certo quando comeou a construo da nova capital, j que tudo foi feito em segredo. Mas observando a vasta escala da empreitada, difcil imaginar que projeto e construo tenham sido realizados em menos de uma dcada.
“A rea em torno de Naypyidaw foi despovoada a fim de selar a imensa rea de construo contra qualquer contato com o mundo externo”, afirmou um jornal tailands durante a construo.
“Aldeias inteiras desapareceram do mapa, e os moradores foram expulsos de terras que suas famlias lavravam h sculos. Centenas, talvez milhares deles, se tornaram parte do exrcito de ‘refugiados internos’ de Mianmar. Os aldees mais capacitados fisicamente, porm, foram ‘convocados’ a ajudar na construo da nova capital”, acrescentou o jornal.
NOVO E VAZIO
Quem olha para o pagode de Uppatasanti, brilhando ao sol, percebe que ele uma rplica do antigo pagode de Shwedagon, em Rangoon. Tudo em Naypyidaw assim: pouca coisa na cidade tem mais de uma dcada de idade.
Uma rua abriga um grande showroom de joias e pedras preciosas, e seu salo principal conta com 40 barracas de luxuosas joalherias. As mulheres que ali trabalham parecem ostentar sorrisos forados, fixos. H dezenas de pessoas trabalhando no local, mas nenhum comprador. O silncio completo.
Na zona dos hotis, ali perto, possvel almoar no Caf Flight, restaurante construdo aproveitando a fuselagem de um avio aposentado. A casa est vazia, se excetuarmos um casal. O almoo custa US$ 5 (R$ 16) –mais de duas vezes a renda diria mdia de muitos dos trabalhadores de baixa renda no pas.
Nas zonas residenciais, os telhados so identificados por cores de acordo com os locais de trabalho das pessoas na zona dos ministrios.
Muitos funcionrios pblicos de baixa patente vivem em alojamentos e em quartis em estilo militar, enquanto os altos funcionrios desfrutam de residncias opulentas. Diz-se que os polticos oposicionistas tm casas menores do que os lderes do partido governista.
Nos ltimos anos, Naypyidaw se tornou parte do circuito internacional de conferncias de cpula, sediando eventos e reunies com a participao de lderes mundiais. Barack Obama visitou a cidade no ano passado, e o primeiro-ministro britnico David Cameron esteve l em 2012.
A cidade est bem longe, porm, de ser o emblema de “novo Mianmar” que o governo tenta promover. Com seu reluzente aeroporto internacional recentemente concludo, a cidade parece ser um teste radical da teoria do “construa e eles viro”.
Mas, at agora, a aposta parece estar se provando um fracasso espetacular.
