Campanha que pede beatificação de Gaudí avança

O Templo Expiatório da Sagrada Família de Barcelona, que terá agora a posição de basílica e poderá realizar missas (Foto: Christophe Simon / AFP)O Templo Expiatório da Sagrada Família de Barcelona (Foto: Christophe Simon / AFP)

A extraordinária basílica Sagrada Família, em Barcelona, na Espanha, está sendo construída há mais de 130 anos, e há quem espere que, quando for finalizada, daqui a cerca de 20 anos, o arquiteto Antoní Gaudí estará a caminho de se tornar um santo.

Todo ano, milhões de turistas vão até a igreja para observar seus enormes arcos e espirais no centro da cidade espanhola.

Construída desde 1883, a Sagrada Família tem parte de sua fachada coberta por andaimes. Mas, quando os visitantes pisam em seu interior, se deparam com a apaixonante visão arquitetônica de Gaudí.

Por toda sua nave, colunas que se parecem com árvores se erguem em direção ao céu e se abrem para formar uma complexa abóbada de pedra.

Os vários vitrais lançam uma luz cintilante sobre as paredes, criando um visual que deixa muitos turistas emocionados.

“A iluminação faz com que você se retraia para dentro de si mesmo, que se sinta introspectivo”, diz Lourdes Cirlot, uma historiadora de arte da Universidade de Barcelona.

“É um estado semelhante ao de um êxtase místico. É difícil dizer que um edifício possa fazer milagres. Mas, se alguém entra na Sagrada Família e realmente acredita que pode ser curado, isso provavelmente vai acontecer”, acredita ela.

Gaudí nasceu em família rica, mas abriu mão de luxos com sua crescente devoção (Foto: Alamy/BBC)Gaudí nasceu em família rica, mas abriu mão de
luxos com sua crescente devoção (Foto: Alamy/BBC)

Campanha
Uma campanha para tornar Gaudí um santo foi lançada há mais de 20 anos, quando o padre José Manuel Almuzara sugeriu que o arquiteto catalão seria um bom candidato à beatificação – o que com frequência é um passo rumo à santificação.

Almuzara formou a Associação pela Beatificação de Antoní Gaudí e começou a trabalhar para reunir a documentação para que seu nome fosse considerado pelo Vaticano.

Um dos documentos-chave é sua biografia, escrita pelo jornalista Josep Maria Tarragona.

Tarragona diz que ter criado a Sagrada Família não é algo que necessariamente qualifique o arquiteto à beatificação.

“Se usarmos esta lógica, teríamos que beatificar Michelangelo e Mozart”, afirma.

“A questão é que Gaudí foi um cristão exemplar. Sua vida foi a vida de um santo.”

A Sagrada Família, em 1940 e em 2010 (Foto: Getty Images; AFP)A Sagrada Família, em 1940 e em 2010 (Foto: Getty Images; AFP)

Gênio ou louco?
Gaudí nasceu na região da Catalunha em 1852. Sua família era rica e frequentava a ópera e os melhores restaurantes, segundo Tarragona.

Quando se formou em arquitetura pela Universidade de Barcelona, ele começou a elaborar uma linguagem visual única, inspirada em edifícios pré-islâmicos do delta do Nilo.

Diz a lenda que, quando o diretor da escola de arquitetura da universidade, Elies Rogent, deu a Gaudí seu diploma, disse que não sabia se estava entregando o documento a um gênio ou a um louco.

Por toda sua vida, Gaudí se preocupou com o bem estar dos trabalhadores. Ele ajudou a criar a progressiva Colônia Guell, uma comunidade de trabalhadores que ficava em torno de um moinho, com escolas e um hospital, assim como o primeiro estádio de futebol da Espanha.

Depois de começar a trabalhar na Sagrada Família, em 1883, ele construiu escolas para os filhos dos trabalhadores e paroquianos.

Na época, Gaudí foi uma escolha controversa para o projeto, porque não era um católico praticante. Mas isso começou a mudar conforme a enorme basílica foi saíndo do papel.

Tarragona acredita que, enquanto Gaudí trabalhava na fachada da igreja, ele “viu Jesus Cristo em pessoa”.

Devoção
Aos poucos, ele tornou-se mais devoto e passou a levar uma vida mais simples. No almoço, comia apenas algumas folhas de alface mergulhadas em leite.

Quando tinha pouco mais de 40 anos, quase morreu ao fazer jejum para a Quaresma e só voltou a comer quando um padre o lembrou de sua missão de construir a basílica.

Ele dedicou mais de quatro décadas de sua vida ao projeto, abrindo mão de contratos lucrativos em Paris e Nova York.

E quando o projeto correu o risco de ficar sem fundos, buscou freneticamente doações para manter uma pequena equipe trabalhando no local.

Gaudí nunca se casou, mas isso não teve nada a ver com religião, afirma Tarragona. Ele simplesmente não teve sorte no amor.

O arquiteto passou seus últimos meses de vida completamente imerso no trabalho, morando próximo de sua oficina no interior da igreja.

Autor de biografia de Gaudí, Tarragona diz que ele levou uma ‘vida de santo’

Quando foi atingido por um bonde a caminho de uma confissão, pensou-se a princípio que o homem esquelético e com vestes maltrapilhas era um pedinte. Gaudí morreu três dias depois, deixando o restante de seu dinheiro para a basílica.

Mas ele não teve uma morte de mártir. E, em casos assim, antes da beatificação, o Vaticano exige a prova de um milagre.

“O problema é que Gaudí não fez um milagre”, diz Tarragona. “E, se você não tem o milagre, todo o processo corre mais lentamente.”

Processo lento
Nos anos seguintes à formação da associação de Almuzara, em 1992, pouco aconteceu.

O pedido formal para que Gaudí fosse considerado à beatificação foi feito por bispos da diocese, mas Tarragona afirma que os líderes religiosos da Catalunha estavam céticos – talvez com medo de que a Sagrada Família atraísse menos turistas não católicos se a campanha prosperasse.

A campanha pela beatificação também enfrentou forte oposição de catalães não religiosos, para quem a Igreja estaria se apropriando de um símbolo nacional.

Mas a mensagem da campanha chegou à imprensa internacional – e aos ouvidos do papa João Paulo 2º, que, em 2000, perguntou ao arcebispo de Barcelona, Ricard Maria Carles, se era verdade que Gaudí não era religioso.

A maioria dos santos católicos vem do clero, são monges ou freiras, mas João Paulo 2º estava interessado na beatificação de figuras não religiosas.

Em 1980, ele beatificou Kateri Tekakwitha, uma índia americana que também já foi santificada.

Progresso
Com os claros sinais positivos por parte do Vaticano, o processo começou a progredir mais rapidamente.

Em 2003, os bispos da Catalunha enviaram um portfólio de uma pesquisa sobre a vida do arquiteto ao Vaticano.

Para sua surpresa, autoridades da Igreja responderam quase imediatamente com interesse na questão.

Gaudí foi nomeado oficialmente um “servo de Deus”, a primeira etapa de uma beatificação.

Em 2010, veio mais um desdobramento positivo para os devotos do arquiteto. O papa Bento 16 consagrou a Sagrada Família.

Ele estava visivelmente emocionado pela construção e, em entrevistas, elogiou a coragem e a criatividade de Gaudí.

O próximo passo será uma votação em que cardeais e teólogos avaliarão a trajetória de Gaudí e, em seguida, apresentarão seu resultado ao papa.

Se o papa Francisco der um veredito positivo, Gaudí será considerado “venerável”.

Isso pode ocorrer daqui a alguns anos, diz Tarragona.

Segundo rumores, o anúncio pode coincidir com a próxima visita do papa a Barcelona, ainda sem data prevista.

A Sagrada Família em 1940…
Depois, o próximo passo será a beatificação. Mas e quanto ao milagre exigido?

O arcebispo de Barcelona, Lluis Martinez Sistach, diz que ele, de certa forma, já ocorreu: “Desde 1882 até hoje, não houve nenhum acidente sério na construção da igreja, nem entre quem trabalha a uma altura significativa nem entre os visitantes deste templo”.

Ele acrescenta que a Sagrada Família tem sido palco de conversões inesperadas entre o grupo de diversas nacionalidades que trabalha na obra.

Mas o comitê pró-beatificação está mesmo em busca de uma cura capaz de impressionar aos médicos.

Alguns casos chegaram próximo disso. O primeiro veio a público há cinco anos, quando uma mulher com uma perfuração na retina voltou a enxergar.

Seu oftalmologista disse que sua recuperação foi totalmente excepcional, mas alguns especialistas internacionais ficaram menos impressionados.

Um segundo exemplo envolveu um homem com um tumor em sua perna, que se recuperou no hospital sem passar por uma cirurgia.

Mas, novamente, não houve consenso entre seus médicos – alguns consideraram o caso mais extraordinário do que outros.

Por um tempo, Almuzara pensou que ele mesmo poderia ter testemunhado um milagre. Um amigo arquiteto foi diagnosticado com câncer e, depois de ambos rezarem pela intervenção de Gaudí, sua condição melhorou.

“O caso foi apresentado à Igreja como um possível milagre e em seguida foi repassado para especialistas”, afirma Almuzara.

“Os médicos disseram ser necessário esperar cinco anos para ter certeza de que a doença não voltaria, mas isso aconteceu depois de três anos – e meu amigo morreu.”

Santificação
Apesar desses contratempos, Almuzara e Tarragona estão otimistas de que Gaudí ruma para a beatificação.

Uma vez que isso ocorra, a santificação será possível se um segundo milagre ficar provado.

O reverendo Michael Witczak, professor de estudos litúrgicos da Universidade Católica da América, diz que a imensa popularidade de Gaudí ajudará.

“A rapidez no processo de beatificação de João Paulo 2º e Madre Teresa de Calcutá indicam para mim que o desejo popular é um elemento-chave nesse processo”, diz ele.

“Acredito que a Igreja Católica gostaria de canonizar alguém não religioso que também era artista e artesão, engenheiro e, de certa forma, também um místico.”

Gaudí viu apenas um dos pináculos da Sagrada Família concluído antes de sua morte, em 1926.

Hoje há oito – e mais dez serão construídos nos próximos dez ou 20 anos, antes que os andaimes venham definitivamente abaixo e os turistas possam ter uma visão completa da basílica.

Quando esse dia chegar, turistas não católicos talvez tenham que disputar espaço com peregrinos que viajaram até o local para rezar pelos ossos de Gaudí.

“O arquiteto responsável pelas obras da Sagrada Família hoje diz: ‘Terminaremos a basílica primeiro’, e nós respondemos: ‘Não, não, não, terminaremos a beatificação antes”, diz Tarragona, acrescentando rapidamente que trata-se de uma brincadeira.

A Igreja Católica não gosta de acelerar assuntos assim. E não seria adequado apressar Gaudí em morte quando ainda em vida ele se recusava a ser apressado.

Como o arquiteto disse certa vez sobre os atrasos e contratempos na construção de sua igreja: “Meu cliente pode esperar”.

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